Vivências Ciclísticas - por juliano riciardi

Em seu livro virtual o Artista Visual e Ciclista Juliano Riciardi relata suas vivências no pedal attravés de relatos de histórias de aventuras em cima da bicicleta...

18 novembro 2005

Viviências Ciclísticas - fragmentos de pedal



HISTÓRICO PESSOAL

Olá, meu nome é Juliano de Paiva Riciardi, tenho 32 anos e nasci em Cianorte no Paraná. Em 1993, com 21 anos passei no vestibular para Oceanografia na Univali, Itajaí, onde estudei e morei até 1997. Nesse curso, me envolvi com as tartarugas marinhas através do Museu Oceanográfico e a educação ambiental no litoral Catarinense.
Paralelo a faculdade descobria outras áreas do conhecimento, como a Arte Reciclagem, a Computação Gráfica e a Multimídia.
Em 1996, junto com Cátia Hansel me enfiei numa aventura de carona pelo Brasil, originando o Projeto Carona Brasil – embarque na educação ambiental. Nesse projeto, através de caronas e bicicletas percorremos e articulamos uma rede de ações, disseminando a consciência ecológica por meio de visitas, palestras, cursos, oficinas e experimentos educacionais.
No ano de 1999, interessado em estudar arte educação, passei no vestibular e me mudei para o Rio Grande do Sul onde fui cursar Artes Visuais na Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG.
Neste período de 5 anos idealizei e coordenei o experimento pedagógico da Oficina Permanente de Arte Reciclagem no Centro de Atenção Integral a Criança e ao Adolescente – CAIC/FURG.
Com uma vivência por diversas comunidades escolares (Universidades, Escolas, Centros Comunitários, ONGs e outros), desenvolvo experimentos lúdicos educacionais, incluindo o Papel Reciclado, Dominó do Lixo, MINIMUNDO: ambientes de aprendizagem (maquetes) e ainda o CD ROM Pedagógico Reciclagem de Idéias.
Agora, formado em Artes Visuais, decidi residir em Balneário Camboriú, Santa Catarina, e aplico meus conhecimentos em projetos de Arte Educação, Artes Visuais e EcoDesing.
Este livro é um projeto que já venho idealizando e criando desde que comecei a me aventurar pelo Brasil de carona e bicicleta. Através de vários textos, poesias e fotos que elaborei nas viagens, tento apontar indícios fragmentados das minhas vivências pessoais relacionadas a uma proximidade particular com a bicicleta.
Os fragmentos jamais representarão o todo, mas nos dá pistas de um processo vivencial percorrido e suas particularidades existenciais.




OBJETIVOS PEDAGÓGICOS DO CICLISTA

1. Difundir o uso da bicicleta em comunidades de aprendizagem, promovendo o ciclismo ecológico como um dos meios mais saudáveis de se locomover, pretendendo estabelecer uma relação mais harmônica entre o ser humano e o meio ambiente.

2. Promover e potencializar as regras de convivência harmônica entre pedestres, ciclistas, motoristas e turistas, na rede escolar, por extensão e na comunidade, procurando envolver as instituições municipais, estaduais e federais.

3. Estimular a transformação prática de atitudes e o desenvolvimento de novos hábitos com relação ao turismo sustentável, as atuais normas de trânsito e cultivar a reflexão sobre a responsabilidade ética de cada indivíduo para com o meio ambiente limpo e um trânsito seguro.

4. Desenvolver junto aos participantes, habilidades de: percepção do meio ambiente e do ambiente de trânsito, observações e cuidados com o veículo (bicicleta), regras básicas de orientação e viagens de bicicleta, socorro, alimentação, exercícios, equipamentos, postura e sobrevivência no trânsito com este veículo.

5. Potencializar o trabalho já realizado pelo ciclista ativo, complementando e reforçando as ações de sensibilização, através de programas de divulgação e educação ambiental e para o trânsito.














Aventura em prol ao Meio Ambiente.

São mais de 24.500 Km de pedaladas, cerca de 275 caronas e muitas caminhadas através de 22 estados brasileiros, onde o casal ambientalista Cátia Hansel (30) e Juliano Riciardi (31), realizam o Projeto Carona Brasil. Há oito anos, eles visitam Parques Nacionais, Instituições Ambientais, ONGs e escolas brasileiras, intercambiando informações, organizando palestras, oficinas de papel reciclado, mostras fotográficas e alertando as autoridades das agressões ao meio ambiente.
Neste período, a dupla se envolveu em muitas aventuras, entre elas os encantos da Chapada dos Veadeiros e uma expedição as cavernas do Parque Terra Ronca/GO. Junto ao IBAMA do Tocantins, desembarcaram na Ilha do Bananal, o Parque Nacional do Araguaia.
Registraram em sua lentes fotográficas e diários de bordo, todo o litoral nordestino, o Parque Nacional das Setes Cidades/PI, o Parque Nacional de Ubajara/CE, a Chapada dos Guimarães/MT, a Chapada da Diamantina/BA, o Delta do Parnaíba / PI, a travessia do Rio Amazonas de carona, e a exaustiva caminhada pelos Lençóis Maranhenses, o maior deserto brasileiro.
Sempre com as mochilas prontas, uma bicicleta a mão e cheios do instinto de descoberta e aventura como somas, os pesquisadores buscam vivênciar a cultura tradicional das comunidades visitadas, repassando seu conteúdo de aprendizado.
O contato com o Projeto pode ser feito pelo e:mail: caronabrasil@mailcity.com ou pela Caixa Postal 51, Venâncio Aires, Rio Grande do Sul, CEP: 95800-000. Também possuem uma HOME PAGE para divulgar o trabalho: http://www.geocities.com/rainforest/andes/9474. ou http://www.procarona.hpg.com.br/
Pegue a sua Carona.





Em busca do Sol
Por Cátia Rosana Hansel e Juliano Riciardi

14 de dezembro de 1997.


Já a algum tempo, Eu e Cátia havíamos decidido viajar pelo Brasil. Nos conhecemos na Universidade onde cursávamos Oceanografia, uma longa história.
Eu voltava da minha primeira “grande aventura”, com mais dois amigos, conseguimos chegar até Manaus de Carona, foram dois meses onde compartilhamos amizades, dificuldades, compaixão, respeito e muita mais.
Chegamos em Itajaí início de março, nossas aulas já haviam começado. Estava com minha Faculdade trancada, onde cursava o 8º período da Faculdade de Ciências do Mar.
Minhas viagens sempre foram influenciadas pelo grande desejo de conhecer. Desde pequeno me lembro da vontade de juntar minhas coisinhas e mochila nas costas, por o pé no mundo a conhecer.
Meu desejo de infância estava sendo realizado aos 22 anos. Uma conquista, uma conseqüência ? Acho que é realmente o presente, é isso que estava acontecendo.
Muitas vezes esse meu desejo íntimo de por os pés na estrada foi passado despercebido, fugiu da memória, não era ainda a minha prioridade, ou me faltava coragem para a liberdade, mas havia chegado a hora.
Hoje me sinto o mesmo Juliano, o quando era criança, aquele mesmo que sonhava em aventuras errantes, em fortes paixões, a existência da felicidade e um grande amor. Coisas que eu propriamente já estava desesperançoso com meus poucos vinte e dois anos.
A realização estava por vir. Em Itajaí, voltei a trabalhar com computação gráfica, a faculdade deixe pra depois, levei outros projetos e com mais alguns amigos estruturamos uma ONG Organização Não Governamental, a V Ambiental, nos preocupando em trabalhos comunitários.
Cátia um caso a parte, apenas quando nos encontrávamos, sempre os dois em direção contrária, entre olhávamos até nossas imagens sumirem do plano
A noite do encontro foi maravilhoso. Foi a primeira coisa que fiz ao sair da casa de um amigo, olhei pra praia e observei alguém sentada na areia. Algo me atraiu tão fortemente naquela direção que fui conferir, era ela, Cátia.
Nos conhecemos pra valer. Uma companheira de aventuras, dedicada e amorosa. Viajamos juntos em busca do conhecimento, da verdade, do contato, da amizade, da solidariedade, do amor, de Deus.
Neste estilo de vida que nos descobrimos, incorporamos com todas as nossas responsabilidades de buscarmos sempre o melhor da vida.
As nossas pesquisas-aventuras relacionada a sociedade e meio ambiente, iniciou em julho de 1996, quando eu e ela, como num sonho repentino destinamos os nossos caminhos e resolvemos ousar e usar da vida, do tempo e do espaço que usufruíamos.




Oceanografia ou Aventura? Queríamos Aventura.

Um sonho de infância, uma carência, uma vontade, e muitos conhecimentos. Decidimos trancar faculdade, empregos e tudo o que há de apego seja ele material, espiritual, ritual ou sei lá que al, que acabam nos condicionando.
Cada um, mais que uma lição de vida, buscava superar os próprios limites, e poder ir em busca da própria liberdade de escolha, a própria intuição em decisões difíceis, e tudo o que a vida pudesse nos ensinar de prático, nestes dias, longe das salas de aula.
Brasileiros de descendências européias (ela Alemã e eu Italiano), pouco conhecíamos as dimensões da nossa nação, o imenso Brasil, com seus 8 511 965 Km², riquíssimo em cultura e uma variação étnica incomparável.
Aliados a tudo isso, o nosso interesse está em pesquisar e organizar um banco de dados sobre o nosso país, ligadíssimos em intercâmbios, lançamos como sendo um dos objetivos principais de nossas viagens, recolher e disseminar o máximo de informações e imagens que obtivermos.
No dia 5 de julho de 1996 saímos de mochilas nas costas e carona. Percorremos todo o litoral do nordeste brasileiro. A primeira etapa do que viria ser o Projeto Carona Brasil, nosso trabalho de vida, nosso dia-a-dia, nossa missão.
Esta etapa, a Nordeste, durou 5 meses e dois dias, cobrindo um total de 9.150 Km em 245 caronas e 13 estados brasileiros conhecidos, para sermos mais exatos, listamos nesta ordem: Partimos de Itajaí, Santa Catarina dia 07 de julho de 1996, passamos Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e encerramos no Piauí
A partir deste projeto, organizamos e realizamos viagens investigativas pelo Brasil, levantando, registrando, disseminando e aprendendo a cultura, a geografia, a história, a fauna/flora, o turismo ecológico, as Unidades de Conservação, os efeitos antrópicos, a comunidade, o meio ambiente e as Instituições Ambientais, por todo um percurso previamente pesquisado e analisado minuciosamente.
A soma destas e outras pequenas aventuras proporcionadas da infância aos 25 anos meu, e 23 anos da Cátia, nos fez refletir e direcionarmos esforços para isto.
Emoção, conhecimento, cultura brasileira e um infinito de despertar. Nos tornamos incansáveis aventureiros do sul em busca de novos horizontes.
O nosso plano agora, era viajar o Brasil de carona e bicicleta.
Após nossos amigos Paulo e Narbal fazerem um grande percurso como cicluturistas, com o projeto RACA - Rota Austral Chile-Argentina, nos entusiasmaram mais e mergulhamos nesta Aventura.
Naquele dia de não sei quando de novembro de 97, Paulo e Narbal apareceram em casa com os slides da sua viagem.
Ao som andino, pizza, bate papo e gargalhadas, assistimos umas dezenas de baterias de fotos lindíssimas que conseguiram nos extremos das temperaturas, do calor do deserto à congelada patagônia.
Nos intermédios das fotos nos informaram sobre um casal que conheceram no caminho. Apesar de mal conseguirem falar com eles, pois ele alemão e ela Hindu. A informação que nossos amigos passaram, foi que eles viajavam a muito tempo em uma bicicleta dupla, além disso levavam uma carrocinha atrás. Algo aconteceu neste momento, a animação me fez simpatizar com a idéia. Uma bicicleta dupla, por que não?.
Nas controvérsias e conversas sobre aventura, repassamos nossos slides e experiências da recente viagem para o Nordeste, e assim aprendemos e ensinamos táticas, dicas e conceitos.
Uma certa curiosidade súbita da imaginação fez a noite Juliano, antes de dormir, comentar com Cátia sobre a bike dupla, enfatizando seu interesse e gerando um projeto que em três meses estava concluído, uma bike dupla, a nossa Ara Watazara – a andarilha do tempo.
Nos jogamos de cabeça na Etapa Centro-Oeste e Norte assim que nosso Projeto Carona Brasil foi aprovado no Programa de Bolsas de Extensão da Universidade. Planejamos uma grande viagem, um grande percurso e grandes dificuldades pela frente.
Traçamos os mapas na direção Centro Oeste e Norte, o sol quente, o cerrado, as chuvas, a Amazônia e o povo. Iríamos sentido o Estado do Paraná pela BR 101, até atingir Curitiba de lá para Ponta Grossa e de lá rumo ao Estado de São Paulo pela Belém Brasília - BR 153.
Após elaborarmos tudo para termos sucesso na expedição, o tempo passou um ano desde nossa viagem anterior. Passamos 1997 novamente no rítmo da sociedade, casa, faculdade, trabalho. Mas, novamente estávamos largando tudo, seguíamos para a próxima etapa, uma ação contínua.
Com a elaboração do projeto da bicicleta, que só foi possível com a ajuda de nossos dois amigos ciclistas, recorremos a várias montadoras e oficinas locais disposta a nos auxiliar em sua construção.
Audaciosa e inovadora , a idéia ficou garantida pela Cicle & Cia, Célio o proprietário da oficina, mestre em bicicletas topou, dizendo que a sua experiência em bike dupla foi uma feita a uns dois anos passados, para um casal de médicos, que por sinal andava até hoje. O nosso caso era particular, imaginávamos percorrer as regiões Centro Oeste e Norte em cima desta bicicleta, em caronas e algumas embarcações.
Dia-a-dia impulsionávamos sua construção, quando após o quinto dia passado, Célio aprontou a soldagem dos quadros e iniciava a pintura (verde, amarelo azul e branco), aliás a trajetória seria o nosso querido Brasil.
Após alguns treinos pelo litoral de Santa Catarina estávamos decididos em partir daqui a um mês.
No dia 12 de dezembro houve a festa de despedida do Carona Brasil, foi organizada no Peace Bar e Restaurante, onde seu simpático proprietário Gerônimo, mostrou solidário com a idéia.
A noite os amigos mais chegados e familiarizados com nosso Projeto chegavam aos poucos para o interior do bar, decorado com nossa exposição fotográfica, a bicicleta toda carregada e vídeos apresentando. A cerveja gelada e muitos palpites nas bagagens.
Sempre com sorrisos encorajados, nossos amigos transmitiam a vontade de juntarem-se a nós e a nossa aventura, dando apoio e uma calorosa homenagem de “Vão com Deus” .
No Domingo 14/12/97, numa rua da Praia de Cabeçudas, Itajaí, precisamente às 10:40 hs subimos na bicicleta cheios de ardor, energia, vontade, mas com uma pontada de apreensão. O abraço e após o abano de mãos à distância, foi a última cena avistada em nosso retrovisor, era nossos dois amigos motivadores, os aventureiros errantes Paulo e Narbal, que tanto nos orientaram e ajudaram para o sucesso de nossa partida. Sabiam que após deixarmos tudo para trás: família, amigos, casa, faculdade, emprego e uma vida “tranqüila”... descobriríamos o desconhecido.
Sozinhos agora, montados na enorme bicicleta doida, balançamos como duas crianças aprendendo a pedalar.
Um pouco de incerteza soprava com o vento que vinha em nossa direção, dificultava nosso primeiro dia de tantos outros quentes pela frente. De início pegaríamos uma rodovia que traz em sua história o apelido de “o corredor da morte”, a tenebrosa BR 101.
Quando pedalávamos, as cabeças cheias de sonhos, íamos em comentários de companheirismo, confiança, humildade e o desejo mútuo de vencer todos os obstáculos que encontrássemos no caminho.
Seria também uma viagem de revelação de nós mesmos. Haveria momentos de dúvida, desespero, desentendimentos e medo. Mas todas as tormentas desapareceriam quando comparadas às maravilhas descobertas que faríamos: a alegria de ser livre e aberto a todo o tipo de experiência. Iríamos, até certo ponto, sermos testemunhas de dois jovens no mundo de hoje.
Em geral, depois de certas observações, o homem é atraído pelo sul. Nós porém, com gosto pela contradição, fomos direto para o sol, as regiões centro-oeste e norte, embora bastante desconhecidas pelos brasileiros, estas regiões nos despertava nossa imaginação e nossa vontade de conhecê-las aumentava.
Agora, na rodovia alguns carros nos ultrapassavam e buzinavam levemente demonstrando seu apoio e curiosidade aos dois jovens que partiam para uma grande aventura.
Após os 20 primeiros quilômetros, resolvemos fazer uma parada para repor as energias e as águas. Quando entramos num posto de gasolina e encontamos a bicicleta, uma multidão nos cerca. Impregnados de perguntas curiosas, cada um com seu espanto particular, buscavam nos conhecer e de alguma forma, participar do momento.
Ainda meio embaraçados com a novidade do momento, tentamos explicar o que pretendíamos, de onde partimos e finamente agradecendo pela disposição e atenção que todos nos receberam.
Saímos cheios, imaginei “nossa um sentimento humano muito bonito” acolhedor, viajávamos contando com a ajuda de todos, apesar das ansiedades dos imprevisíveis, sabíamos que conheceríamos tudo e muita mais, gentes por toda a parte, resultando também o reconhecimento por muitos.
O que provoca algo assim? Por que se acorda um dia decidido a mudar inteiramente a própria vida? Não é decisão súbita, tínhamos certeza, um longo processo de deliberação, organização, certas carências e muita coragem. Pouco a pouco, a vontade de ter outro estilo de vida, de conhecer o desconhecido, superar medos ou quem sabe até, conhecer de perto os bichos que te inventaram na infância. Éramos até então, um técnico em Computação Gráfica de 24 anos e uma estudante de Oceanografia de 22 anos. Queríamos experimentar algo diferentes juntos.
Notamos assim, nesta primeira parada, que nos encontramos nestas condições agora. Gente desconhecida ao redor, perguntando de nosso passado, presenciando nosso presente e os mais audaciosos, destinavam nosso futuro, comentando: “vão dar a volta ao mundo”, sendo que nem mesmo nós sabíamos onde iríamos parar.
Na estrada alguns carros buzinavam, outros abanavam as mãos. O trânsito da BR 101 de início estava tranqüilo, íamos pelo acostamento e quando este não havia , tínhamos que percorrer pela própria rodovia. Cátia vitoriosa conseguiu cambiar com precisão e sincronia todos os momentos. Almoçamos no Posto Sinuelo.
Repomos as águas, 4 caramanholas (garrafas próprias p/ bicicleta acopladas ao quadro) de grande utilidade na aventura.
Após a digestão, montamos e partimos. Pedalávamos suave, na média de 20 km/h. De súbito um som e o desequilíbrio, pneu traseiro furado, o primeiro. Rapidamente apertei os freios. Paramos no acostamento, olhei para Cátia e caímos na risada, comemorando. Olhei no velocímetro instalado no guidão, eram 16:00 hs, havíamos percorrido 66 Km e faltavam mais 15 até Joinville.
Ao retirar a câmera notei dois furos grandes, resolvi substituí-la sem perder muito tempo, logo montei a roda e quando estava enchendo o pneu com a bomba observei que não agüentaria mais, pois apresentava um início de rasgado na lateral. Tive que repetir todo o trabalho, esvaziar câmera, tirá-la, trocar o pneu, colocá-lo, apertar os parafusos da roda e pronto, ações monótonas que nos tornariam cotidianas.
A primeira parada para dormir foi em Joinville. Nosso amigo Jonathan sempre nos deu apoio em nossas idas e vindas de Curitiba, Maringá e outros passeios, além disso não precisaríamos montar acampamento. Sempre chegamos de surpresa, ocasionando descobertas, novidades e saudades.
Antes de chegarmos ao trevo de acesso à Joinville, um momento de tensão nos fez repensarmos na aventura. Com a BR 101 em obras para a duplicação, encontrava-se cheia de balizas e placas no acostamento.
Na ocasião, olhei para o retrovisor da bicicleta e vi uma enorme scania atrás de nós vindo em alta velocidade. Logo pedi para Cátia sinalizar com o braço esquerdo para o motorista do caminhão. Olhei novamente e percebi que nada adiantara. Então, com a scania em nossa direção, só me restou jogar a bicicleta para o acostamento e frear. Passamos um sufoco, e acabamos batendo com o guidão numa das placas de sinalização. Fiquei um pouco nervoso, mas por sorte nada nos aconteceu, só um susto logo no início da viagem, respiramos fundo e continuamos.
Chegamos na casa de nosso amigo um pouco atordoados com o acontecido. Não havia ninguém em casa, era fim de tarde e pensamos onde iríamos dormir. Resolvemos esperar um pouco, encostamos a enorme bicicleta em um muro e nos avaliamos fisicamente. Estávamos inteiros, ou quase inteiros, nosso primeiro dia de viagem, da qual passaríamos incansáveis meses na estrada. Percebi uma pequena latejamento no joelho direito, Cátia estava em forma. Após uns vinte minutos de espera na caçada em frente a casa, seus país aparecem, estavam todos na praia de Itajuba/SC. Entramos e numa conversa descontraída com seus familiares, esperamos a chegada de Jonathan.
Assim que Jonathan chegou, apareceram dois amigos seus, sempre muito risonho e brincalhão, Jonathan agrada a todos e vive rodeado de boas amizades.
Já havíamos dito de nossa passagem, seria rápida, e nos programamos para acordar cedo, tomar o café da manhã e cair na estrada. Partimos ás 9:30 hs de uma Segunda-feira, com uma despedida calorosa e uma certa saudade no ar.
A Primeira Carona

Pedalamos cerca de uma hora e então resolvemos entrar no posto a frente, tentaríamos uma carona para subir a serra até Curitiba. Paramos, bebemos água e observamos o movimento do posto, achamos que seria fácil.
Nos direcionamos a um caminhoneiro que estava de saída. O tio começou explicando que não dava carona, fui insistente dizendo sobre o Projeto Carona Brasil e o que fazíamos ali. Logo ficou nosso amigo, concordou e subimos a bicicleta com a ajuda dos frentistas do posto. A primeira carona de nossa viagem, um Mercedes azul.
Seu Bebeco como é conhecido era de Joinville, preferiu almoçar aquele dia num restaurante da rodovia, apesar de levar a cozinha no caminhão, acaba utilizando-a poucas vezes. Num descontraído bate papo, explicou que só sai carregado de geladeiras e freezer de Joinville, onde concentra grandes marcas destes eletrodomésticos. Distribui por todo o Brasil e na volta pega outros fretes. Nos confessou que adora seu trabalho, já foi artista de teatro mas acabou optando pelo caminhão. Bebeco nos deixou na entrada de São José dos Pinhais, após nos ajudar a tirar a bicicleta da carroceria, nos cumprimentou e partiu. Uma relação pessoal muito rápida com alguém quem tem muito para nos ensinar.
Seguimos pedalando pela Av. das Torres. Dali passamos na MANASLU Equipamentos, onde Adalto o proprietário nos aguardava.
A história é que Adalto Silva fabrica materiais para aventura, conhecemos ele através de nossos amigos Paulo e Narbal. Os dois receberam um grande apoio de Adalto em sua aventura à Patagônia. E agora era nossa vez de recorrer a MANASLU. Através de uma visita que fizemos a sua fábrica, algumas semanas atrás, conseguimos garantir com Adalto a barraca que usaríamos nesta aventura. Passamos para dizer até logo.
Em seguida passamos na ATIVA alimentos Integrais, que através de um programa que estabelecemos, patrocinou toda a expedição, dando-nos suporte nas capitais, por onde haviam seus distribuidores. Nossa primeira abastecida, foi em Curitiba, recebidos por Edilene nosso contato dentro da empresa, suprimos os espaços vazios dos alforjes com alimentação integral e diversificada. A base de macarrão integral, arroz integral, semente de girassol, castanha do Pará, banchá, um chá digestivo de excelente qualidade, barras de cereais com mel, granolas, biscoitos salgados e doces e tudo que nos coube pegar.
Agradecemos o total apoio da ATIVA, que com todo o prestígio, nos estabeleceu uma alimentação saudável, que mais tarde ficou presente em nosso hábito alimentar, produtos de muita fibra. De lá para cá a nossa preferência por alimentos ATIVA retratou bem uma questão que tanto nos aflige, a boa alimentação.
Em Curitiba recorremos ao irmão de nosso amigo Paulo. Rodrigo, após um telefonema nos aguardava em casa. Ainda aquele dia, ao entrar da noite, fomos em busca de uma loja fotográfica comprar a lente tele-objetiva (300 mm) para a máquina fotográfica.
Seguindo nosso cronograma, preferimos dormir cedo para acordar cedo. Assim uma rápida visita deixou todos admirados e pensativos. No outro dia acordamos, tomamos café e partimos rumo a Ponta Grossa.
A pedalada de uma hora nos distanciou 17 Km, estávamos em um ritmo bom, mas preferimos entrar num posto. De lá Cátia ligou para seus pais e conseguimos outra carona oferecida por um caminhoneiro admirado.
Claudemir é caminhoneiro a 14 anos, não costuma dar carona, mas se simpatizou conosco. Ia para Maringá, depois de Ponta Grossa pegamos a PR 151 e depois de Jaguariaíva percorremos a PR 092. Ele é de Itararé, faz frentes para todo o Brasil também. Chegando no trevo onde pegaria outra direção, resolveu nos deixar no alto da serra que se aproximava, agradecemos a gentileza e por voltas das 12:30 hs, estávamos novamente no pedal.
Após o almoço seguimos até Arapoti, mais uns 10 Km pedalando. resolvemos descansar um pouco e deixar o sol abaixar. Próximo das 16:00 hs resolvemos pedalar, não chegando a um quilômetro quando Cátia avista um ótimo local de camping ao lado da rodovia. Uma área de lazer, com mesas, churrasqueiras e gramado. Resolvemos parar e ficar por ali.
Logo tratamos de montar a barraca, fizemos alongamentos e batemos algumas fotos, aliás já era nosso segundo filme fotográfico da viagem.
A noite nos sentimos bastante cansados, utilizamos um relaxante muscular local para dores nas costas, braços e pernas. Prosseguimos conversando dentro da barraca nossas experiências na estrada, agora, de bicicleta, acabamos dormindo tarde, umas 23:30 hs da noite.


A lembrança de tempo
Dá saudade do espaço
Amizades à distância
Nesta estrada é o que faço.




Relatos de estrada

14/12/97

Hoje foi o dia. O dia de partirmos nessa nova aventura. Depois de tantos preparativos partimos.
Pedalamos tranqüilos até Joinville. Saímos de Cabeçudas as 10:40 hs, foi a primeira vez que consegui cambiar sem maiores problemas. Chegamos em Joinville às 16:45 hs, Jonathan e sua família não estavam.
Percorremos ao todo 89 Km, paramos para almoçar no Posto Sinuelo, “bife” sortido por 7,50 o quilo, resultado 12,00 R$ o total que gastamos. Do posto até Joinville eram mais 35 kms, chegamos na cidade eram 14:30 hs.
Por onde passávamos atraíamos muitas pessoas, que admiravam-se ao ver dois jovens viajando numa enorme bicicleta dupla. Na estrada muitos carros buzinavam, alguns chegavam a querer parar.
No começo o trânsito da BR 101 era tranqüilo, paramos alguns quilômetros depois de Itajaí para tomarmos um caldo de cana, a glicose nos faria bem. Uma descontraída conversa com o dono do estabelecimento nos rendeu alguns descontos, o caldo custava 0,75 mas o tio fez os dois por 1,00 R$. Acabamos tomando 4 copos com o choro.
Deixamos um adesivo e um informativo do nosso projeto e saímos para mais pedalar.
Aparentemente não estamos apresentando nenhum problema, neste primeiro dia, espero que continuemos assim toda a viagem.
No primeiro dia o velocímetro da bicicleta marca:
4:56:39 horas pedaladas, 89,51 quilômetros, 46,9 km/h de velocidade máxima e uma média de 19,53 Km por hora.
As 16:00 horas, restando apenas 15 km para chegarmos em Joinville, o pneu fura. Levamos 1 hora para trocá-lo. Eram dois furos, o pneu acabou rasgando. Juliano teve que colocar o pneu duas vezes, é que na primeira tentativa parece que a cola do remendo não segurou a pressão da câmara. Resolveu trocar a câmara por outra nova, aproveitou e trocou o pneu que já estava arrebentado na lateral.
Quase chegando, na entrada da cidade, a rodovia em obras de duplicação, estava sem acostamento e cheia de placas sinalizando. Era uma descida suave que foi dando velocidade a bicicleta, Juliano olha pelo retrovisor quando viu uma enorme carreta vindo em nossa direção, dei sinal mas o caminhoneiro não quis saber, quase passa em cima de nós, passou a toda, Juliano tirou a bicicleta para o lado e batemos numa placa, sem cair, paramos imediatamente, Juliano gritava xingando o caminhoneiro e graças a Deus nada nos aconteceu de grave, apenas as pernas estremeceram um pouco.
Após uns 20 minutos, chegamos na casa de nosso amigo Jonathan, não estavam no momento, mas logo chegaram da praia de Itajuba.

15/12/97

Dormimos no Jonathan, levantamos 8:00hs, tomamos café, os despedimos e partimos as 9:30 hs.
Paramos as 10:40 hs no posto RUDNIK e resolvemos tentar uma carona para subir a Serra.
O tio de começo disse que não dava caronas, mas Juliano explicou melhor nosso projeto aí ele concordou.
Foi a 1º carona de nossa viajem, Um Mercedes azul, já meio velho e vai nos levar até Curitiba. O nome do motorista é Leonidas, vulgo Bebeco. Ele vai para Maringá. Pretendemos chegar hoje em Curitiba.
Bebeco é de Joinville, almoça em restaurantes, apesar de ter cozinha em seu caminhão, utiliza apenas para preparar os cafés da manhã na estrada.
Transporta geladeiras e frezzeres, que saem de Joinville e são distribuídos por todo o Brasil. Os fretes de volta são sempre variados, pode-se carregar de tudo. Para ele a BR 101 pe a rodovia mais perigosa e também não gosta de percorrer certas regiões do Mato Grosso e Rondônia por se queixar das má condições das estradas.
Paramos ás 12:30 hs para almoçar no posto PAMPA 5. O prato foi um rodízio de churrasco por 4,90 R$ cada. Fomos muito mal atendidos e reclamamos para o gerente. Ele ainda mais ignorante não quis nem saber e fez pouco caso.
Paramos em São José dos Pinhais. Seguimos pedalando até a Av. das Torres. Primeiro passamos na Manaslu, conseguimos dois anorak usados (disse Adaulto que estavam sendo guardados para o museu.).
Da fábrica liguei para o Reginaldo da Macro Brasil, um contato que Edilene da ATIVA nos passou em Curitiba. Passamos no armazém, mas tivemos que pegar a comida no Moinho Graciosa onde aproveitamos e nos despedimos de Edilene.
De lá Juliano ligou para o Rodrigo irmão de Paulo, nossos amigos. Saímos da ATIVA carregadíssimos, chegávamos a bambolear com a bicicleta dupla, fomos direto para a casa deles. A noite 17:30 fomos para o centro de Curitiba com Rodrigo, tínhamos decididos comprar uma lente tele objetiva para a máquina fotográfica e assim conseguirmos boas fotos em todo o percurso.
Dormimos na casa de nossos amigos e acordamos cedo, 7:00 hs, tomamos café que a mãe de Paulo já havia deixado pronto para a nossa saída. Partimos às 8:00 hs.

16/12/97 – Terça-feira

Após 1 hora de pedalada saindo de Curitiba, paramos no posto Saguaru I – BR 277 sentido Curitiba - Ponta Grossa, o velocímetro marca: 9:26 hs, distância percorrida (DST):17,26 km, velocidade máxima 58,9 km/h. Liguei para minha mãe enquanto Juliano conversa com alguns caminhoneiros. Claudemir tinha uma scania azul e amarela, nos ofereceu uma carona até Jaguaraiaiva, logo após Ponta Grossa.
Notei que vai ser fácil as caronas, é só parar nos postos, que sempre tem gente perguntando para nós, para onde estamos indo de bicicleta.
Pedi para minha mãe mandar os talões de cheque para Goiânia, agência campus universitário da UFGO, podia ser que precisássemos deles. Também pedi para fazer a transferência da poupança para a conta corrente, pois ontem compramos a tão sonhada tele-objetiva 300 mm por amargos 470,00 R$, la se iam nossas reservas.
No caminhão íamos testando a lente, dentro da cabine buscávamos algo bem distante, aproximando ao máximo o foco em lindas paisagens como as de Vila Velha.
Após nos apresentarmos melhor, Claudemir declara que é caminhoneiro a 14 anos, não costumar dar caronas, acha muito arriscado. Para puxar mais conversa e passar um pouco de seu conhecimento disse que nunca teve vontade de usar rádio amador, e que só tem papo furado nestas sintonias. Ele mora em Itararé e nas horas de folga gosta de pescar. No meio do relato de nosso amigo caminhoneiro, passamos por Ponta Grossa e pegamos a PR 151 para Jaguaraiaiva.
Chegamos nesta cidade ás 12:20 hs, Claudemir foi um pouco mais adiante, subiu a serra para facilitar ao máximo para nós.
As 15:00 hs paramos no Posto HULK na saída de Arapoti. Demos um tempo para o sol abaixar e saímos às 16:00 hs. Ficamos alguns minutos conversando com as pessoas que trabalhavam no Posto.
Todos ficam admirados, um menino que estava ali, se atreveu e espantado perguntava todos os detalhes da viagem.
Na parada anterior compramos umas frutas para abastecermos as energias.
Mal saímos e Cátia avistou um ótimo local de camping a beira da PR 092, uma área de lazer abandonada com mesas e churrasqueiras. Resolvemos parar e ficar por ali.
Fizemos alongamento, montamos a barraca, batemos umas fotos (inaugurando nosso tripé). Juliano hasteou a bandeira do Brasil como na época de que era escoteiro. Finalizamos nosso dia com uma janta energética a base de macarrão.
Fomos dormir ás 11:30hs, quando já nos encontrávamos pregados no sono, começa a gritar pelo lado de fora. Acordamos bem desnorteados e assustado não achávamos o zíper da porta da barraca. Juliano coloca a cabeça para fora e logo recebe um foco na cara, dois policiais estúpidos e mal educados que achavam que éramos dois ladrões de carro, sendo que nossa enorme bicicleta estava do lado de fora e podiam perceber que se tratava de dois ciclistas. Poucas explicações puderam crer que aviam se enganado, desculpando nos pelo mal entendido e nos alertando do perigo. Foram embora, como o cansaço era muito voltamos logo a dormir.

Arapoti/PR – 17/12/97 – Quarta-feira

Acordamos às 7:00 hs, tomamos um paciente café da manhã, arrumamos as tralhas e saímos. Pedalamos bastante toda a manhã. No meio do percurso surgiu uma discussão, que resultou numa violência, Juliano jogou a bicicleta numa vala do acostamento. Sorte que era um capim alto, que amaciou o impacto. Brigamos bastante até nos entender. Uma fonte de água potável, antes de Wenceslau Braz, escorrida de uma pedra no acostamento, paramos para saboreá-la. No velocímetro marcava: 10: 58 hs, 1:49:27 (TM) tempo percorrido, 32,19 km de distância e uma máxima de 58,9 km/h.
Na cidade paramos num posto para pedir álcool, era 11:30hs, logo saímos novamente e continuamos nossas pedaladas da liberdade.
No topo de um morro paramos, nisso passa uma pich up FORD azul e resolvi pedi carona, pararam. Nos adiantou uns 55 Km adiante. Bruno e Sérgio, fazem entrega de leite na região. Após nos deixarem na entrada da cidade de Joaquim Távora, para onde iam, seguimos mais adiante. Depois desta carona caímos na rodovia e de primeiro apareceu uma boa de uma descida brusca, Juliano conteve-se nos freios pois a bicicleta adquiria cada vez mais velocidade, no fim desta, paramos ao ver um abrigo, ia próximo das 13:00 hs e estávamos com fome.
Agora são 15:41 e Juliano está fazendo um conserto no pneu que havia furado na íngreme descida. Levamos uma surra, pois a cola do remendo não está segurando legal. Recolocamos novamente duas vezes o pneu, encher com bomba de ar, é uma canseira, mas havia paciência.
Trocamos mais uma câmara, pois notamos que a cada furo, com o peso da bicicleta está próximo dos 200 kg, ao notar o furo até pararmos a bicicleta é o tempo suficiente para a câmara se rascar. Depois desta troca notamos que esta era nossa última câmara nova, e guardávamos outras 3 usadas. Tínhamos que chegar em uma borracharia para conseguir novos remendos.
Tudo certo e continuamos a pedalar já eram 16:22 hs, abastecemos as águas, pedindo ao menino da casa ao lado da estrada, que nos foi muito generoso e bastante curioso com nossa opção de veículo. Agradecemos e saímos rumo a Jacarezinho.
Ao iniciar os movimentos, percebemos que o velocímetro não funcionava mais. Juliano resolveu parar e sem pressa tentar arruma, mas nada adiantou, pois faltava o ímã do aparelho, havia caído em qualquer lugar, aproveitou o momento para encher um pouco mais o pneu traseiro, um desgaste para os braços.
Ainda assim, resolvemos voltar e procurar, mas também não adiantou, então decidimos esquecer e continua viagem.
Entre subidas e descidas começamos a nos cansar. Numa destas, Juliano começa a ter pontadas fortes nos joelhos, na terceira resolvemos parar. Sentou massageei com analgésico local, bebemos muita água e aproveitamos para degustar umas barras de cereais da ATIVA.
Após o susto, a dor passou, achamos que estávamos forçando demais, ainda não havíamos descoberto o nosso ritmo. Mais adiante uma placa avisa BR 153 à 8 kms.
O que mais queríamos agora era um posto para descansarmos. Um bom banho iria nos despertar. As 14: 45, logo que entramos na BR 153 a Belém – Brasília, avistamos o primeiro posto a suas margens, posto bem equipado, fomos direta a borracharia. Foi ali que achamos um local para nos alojar por esta noite que se aproximava. Consertamos nossas câmaras de ar e ainda compramos alguns remendos com os borracheiros, que nos disseram haver ótimos banheiros neste posto e podíamos montar nossa barraca ao lado da capela atrás da borracharia.
A primeira coisa foi o banho, estacionamos a bicicleta em um local mais seguro e aproveitando um bom banho quente, lavamos nossas roupas que encontravam-se imundas destes três dias de viagem. Depois do banho, fomos comer na lanchonete do posto.
Cansados do dia, após os alongamentos, dormimos cedo.











Volta Criança
Eita outra vez
O adulto se desfez
E fui andar descalço na chuva
Jogar bola na enxurrada
Com a minha moçada
Andar pela calçada
Fui pegar gripe e bicho-de-pé
Para algum adulto me xingar
Fui estragar a paz dos injuriados
Dos velhos ranzinzas e suas rugas de preocupação
Fui brincar com minha criança
Que de vez em quando
Caia de bicicleta
Mas não perde a esperança.





BICICLOINTEIRO
Sou um ciclista errante
Que tromba de cara com a vida
Meu ciclo é sempre constante
Renovado pelo caminho...

Adormeço em braços e barracas
Nas fogueiras de luas cheias
Escuto a natureza e araras
Surpreendente por sua beleza

Sou um ciclo vicioso
Sedento por aventura
Viajo pelas estrelas
Mochileiro, vôos distantes

Mantenho minhas relações
Como os ciclos amores
Tento passar liberdade
Felicidade além dores

As ciclo interações humanas
que troca, cativa, me toca
Como pele queimada do sol
Escurece, forte e acende.

Meu pedal é com muito cuidado
Me arrisco se precisar
A estrada sou eu quem traço
Por mapas e derivas

Minha bagagem são necessidades
Que quero saber tratar
Se cidadão do mundo sou
Vou me ciclo reciclar...





Equilíbrio Dinâmico
Pedais
Olhos
Acento
Pernas
Guidão
Ouvidos
Freios
Mão
Raios
Cabeça
Corrente
Coração
Bicicleta
Gente
Ciclo
Relação



Chapada dos Veadeiros

Nas viagens pelo carona Brasil, apontamos para o mapa nosso novo destino. Centro-oeste e Norte, uma aventura planejada para um ano, munimo-nos de uma bike dupla, alforjes carregados, barraca, maquina fotográfica, vídeos, panelas, pneus,... e muita curiosidade pela que veríamos a frente.
Após 16 dias de muitas pedalas e nove caronas, estávamos em meio à Chapada dos Veadeiros. Após percorrido as BRs 101, 153 ( Belém-Brasília), e algumas estaduais fizemos aproximadamente 1.800 Km e cruzamos 4 estados brasileiros, ainda empolgados como todo o início de estrada.
Alto Paraíso do Goiás, uma cidade que atrai pessoas do mundo inteiro, mostra um estilo diferente de vida. Determinados a passar a véspera do novo ano aqui, queríamos novas inspirações, conhecer pessoas, costumes, culturas, lugares, cachoeiras, tudo o que para nós é novidade.
Nossa ansiedade pela informação sempre nos leva a locais interessantes. Alto Paraíso mostrou ser um local diferente, com uma população de 6.000 habitantes, a pequena cidade tem o equivalente a 50 organizações não-governamentais (ONGs), trabalhando nos mais variados temas. Muitas dessas organizações
Única região de cerrado de altitude do Brasil, ela possui riquezas inigualáveis. Por ser um dos pontos mais altos do Planalto central, a Chapada dos Veadeiros é considerado o berço das águas e um importante divisor das principais bacias brasileiras. Nela surgem rios de águas cristalinas e inúmeras cachoeiras que atraem turistas e esotéricos da mundo inteiro.
De geologia bastante acidentada, a Chapada tem uma formação muito antiga. Suas rochas datadas da era Pré-cambriana vão de 570 a 1700 milões de anos atrás. Deve- se a fenômenos como tectonismo, erosão e a resistência variada de suas rochas.
Além das belezas naturais do cerrado, a região apresenta uma grande concentração de minerais, como os cristais.

A Vida é uma Bike Dupla
Um dia saí para pedalar
Eu e a magrela.
Encontramos muitas coisas assim
Outros assados...
Mas tudo que vimos
Foi engraçado
Um momento do futuro
E outro do passado
Minha bicicleta queria mais
Passear pelo Brasil
Da Amazônia ao Cerrado
Íamos dia a pós dia
Conhecendo cobras e veados
Sempre com o sol na cabeça
Pessoas humildes ao nosso lado
Foi uma pedalada e tanto
Alguns pneus furados
Raias, aros,
Cabos e câmbios trocados
Eu e minha magrela
Descobrimos uma aventura
Armamos a barraca
Na mãe Terra natureza
Respeitando sua vontade
Viajamos com firmeza
Teve chuva, teve vento
Barraca molhada e tormento
Foi uma grande brincadeira
De criança grande
Mas sem mamadeira
Percorremos muitos mil quilômetros
Até gastar o pneu
Foi quando percebemos
Que estávamos muito longe,
com sono
cansados.
Só ela
e Eu


Cultura Sustentável – A renovação cultura

Claramente, Heinberg (1996), alerta-nos que um renascimento cultural exige não apenas descobrir formas diferentes de fazer as coisas (produção de alimentos, construção de habitação, fabrico de ferramentas), mas aprender (ou reaprender) diferentes formas de pensar e de ser. Para termos uma mais profunda compreensão da natureza das mudanças necessárias na nossa cosmovisão fundamental, precisamos analisar de mais perto em que consiste a cultura e começar a questionar as assunções que inconscientemente abraçamos em relação aos meios e aos fins da existência humana.

Segundo os antropólogos, cada cultura constitui uma forma que um dado grupo de pessoas adaptou para encontrar alimento, resolver conflitos, cuidar dos seus jovens e idosos, canalizar a sua sexualidade e criatividade e lidar com os forasteiros, a novidade e a morte. (Heinberg, 1996). Neste sentido, uma cultura saudável é um padrão de vida humana que liga as pessoas umas às outras e ao seu meio ambiente de maneira a potencializar a sobrevivência e a felicidade a longo prazo.

Até uma geração, os filósofos e antropólogos ocidentais tendiam a colocar as culturas numa escala de valores oscilando entre “primitivas” e “avançadas”, sendo as mais “avançadas” as que mais se assemelhavam à moderna civilização industrial ocidental que deixava esses observadores num vantajoso ponto de vista. Em geral, esta hierarquização simplista praticava-se sob o pretexto de evolucionismo cultural – uma explicação da mudança cultural que tentava aplicar as teorias darwinistas e post-darwinistas sobre a origem das espécies às transformações no meio ambiente social. Nos últimos decênios, os evolucionistas culturais foram desafiados pelos antropólogos chamados relativistas culturais, que argumentam que todas as culturas são de igual valor; cada é uma criação humana singular que merece respeito por direito próprio. Afina;, há muitos exemplos de culturas que não parecem estar a evoluir por si sós para o industrialismo – ou mesmo a agricultura, e que resistem a estas inovações quando se procedem a tentativas para lhes impor.

Ao explorar as sociedades humanas, não podemos negar sentimentos ocasionais de admiração ou repulsa. Quando lemos que os Khonds de Bengala vendem os filhos para serem sacrificados à deusa Terra, estremecemos; quando ouvimos falar de membros da confederação indígena a tomar decisões tendo em mente o bem-estar de pessoas a sete gerações no futuro, não podemos deixar de os respeitar por isso. Claro que por vezes sentimentos de surpresa e mesmo de descontentamento se baseiam apenas no nosso choque ao depararmos com aquilo que não nos é familiar. Mas tais reações provêm apenas de um 0preconceito etnocêntrico? Ou não haverá ideais e valores humanos universais e básicos que culturas inteiras por vezes corporizam e de que outras vezes se afastam, idéias como verdade, justiça e compaixão? Na medida em que tais valores e ideais universais existem, suprimir a nossa sensibilidade dos alvos originais da antropologia, que incluíam ajudar-nos não só a compreender e a tolerar outras sociedades, como a melhorar a nossa.
Mas descobrir ou concordar com estes valores “universais? Ë uma pergunta de difícil resposta porque a cultura tudo invade com a sua influência. Ë impossível dizer até que ponto os nossos padrões de pensamento foram modelados pela linguagem, a educação e milhares de influências diárias subliminais. Ë de todo evidente que não podemos falar muito dos valores inatos ou universais se estivermos apenas a regurgitar elementos do nosso condicionamento social. A descoberta de valores inatos, a ocorrer, deve vir tanto de um estudo externo como de uma reflexão interna.
Segundo (Heingberg, 1996), uma outra escola de antropólogos, sociólogos e filósofos, que podemos chamá-los de ecologistas culturais, acredita que gradualmente, através da participação viva no processo social, meditação, reflexão e análise, podemos começar a reconhecer e a valorizar certas características culturais onde quer que surgirem, como sinais de saúde e bem-estar, enquanto outros podem começar a servir como bandeira de alerta de que algo está errado nos assuntos humanos. Os ecologistas culturais encaram as culturas como ecossistemas humanos; à semelhança dos ecossistemas naturais, podem ser variados ou constantes, robustos ou moribundos. Por exemplo, os ecologistas culturais consideram como uma dada sociedade lida com a agressão e a violência. Em certas culturas, a violência vai-se manifestando de geração em geração e é glorificada pelo menos em certas formas e exemplos; noutras, quase todas as expressões interpessoais de violência são encaradas como sinais de insanidade. Algumas culturas (como entre os Mongóis de Gengiscão) são expansionistas e predadoras, enquanto outras (como os Hopi) contentam-se em viver e deixar viver. Será que alguns indivíduos ou classes são privilegiados sobre os outros, econômica, política, religiosamente? Em muitas sociedades (como a Inglaterra durante a época da conquista), a idade, o gênero, a raça, a classe ou a riqueza constituem a base do domínio ou opressão; em outras (como nos Tasaday de Mindanau, antes do contato com a civilização européia), os indivíduos são essencialmente iguais em poder. A relação da sociedade com seu meio ambiente natural será ecologicamente sustentável? Os indivíduos são estimulados a descobrir a sua própria singularidade e a expressarem-se de forma livre?
Conforme Heinberg (1996), dizem os ecologistas culturais, se o nosso coração estiver tão envolvido na busca sistemática de valores como a nossa mente, aprenderemos cada vez mais apaixonadamente a valorizar a autonomia sobre a opressão; o amor sobre o medo; a compaixão sobre a indiferença e a cobiça; a comunidade sobre o individualismo desregrado; a sustentabilidade sobre o poder.
Podemos debater até que ponto tais valores são verdadeiramente inatos e universais e talvez nos surpreendamos ao descobrir formas não familiares em que estes valores podem ser exemplificados. Contudo, são-nos cada vez mais reais e significativos à medida que ponderamos e agimos baseados neles.
O relativismo cultural salienta um aspecto importante: que cada cultura é na realidade um conjunto de seres humanos individuais com temperamentos, interesses, lutas e talentos singulares, que afirmações às cegas sobre a “cultura” tendem a atravancar. Devemos ter sempre em mente esta verdade, se decidirmos continuar a descoberta e a classificação de valores transculturais. Se quisermos seguir o caminho dos ecologistas culturais, o nosso objetivo não deve consistir apenas em julgar uma cultura considerando-a melhor ou pior do que outra, mas procurar sinais de saúde ou enfermidade e ver que padrões específicos e ação coletiva tendem a conduzir a uma maior integração ou desintegração. E não devemos cair na armadilha de encarar qualquer cultura como uma entidade monolítica, mas ter sempre em mente o fato de em cada sociedade pode haver indivíduos ou setores com interesses bastante diferentes.
As atitudes de juízo de valor contra as quais os relativistas nos alertam tendem a surgir quando lançamos o olhar apenas para outras culturas e não para aquelas que nos pertencem. Mas o verdadeiro dividendo da antropologia surge quando incluímos a nossa cultura no processo crítico. E é aqui, na compreensão e melhoramento do nosso próprio contexto social, que os ecologistas culturais (entre os quais me incluo) esperam dar uma forte contribuição. Mas ao agir assim, temos de estar preparados para a possibilidade de podermos fazer algumas descobertas perturbadoras e encontrar feroz resistência.

Infinito horizonte
No pedal
De onde vem o vento
E nem vento contra existe
Um movimento para frente
E outro momento insiste

Vôo aéreo
Quando tirar os pés do chão
Segure as pontas do coração.

Seguimos reto mas fazendo curvas...

Retro Visor
Quando me ponho a expressar
me perco numa derrapada curva da vida
que me apresenta de repente à frente...
Escapada triunfante da alma
desenhada em letras, palavras, frases
e meio poesia de estrada
... melodia...
... melo dia ...
meio dia
Com nadadeiras de tartaruga
mergulho fundo em palalgas marinhas
que me aninha em seus entremanhados seios
Quando me proponho amar
escapo das idéias calculosas pelo retrovisor - retro visão –
de uma bicicleta em movimento...
...me sento no à cento sendo embalado pelo vento...


Nosso Brasil
Por Juliano Riciardi

Quem já percorreu mais de uma região do Brasil, percebeu os contraste e diferenças existentes nas 5 regiões brasileiras: Norte , Nordeste, Centro-oeste, Sudeste e Sul. A incrível miscigenação brasileira, visíveis em cada região distintamente, faz um Brasil repleto de magias e tradições. Cada qual com sua característica própria, elas possuem um conteúdo vindo desde a colonização destas terras, misturadas aos costumes indígenas e adaptadas as características geográficas de cada região.
O Brasil é uma extensão territorial com milhares de Kms de litoral, por onde desbravadores e descobridores de novas terras vieram. Foram portugueses, franceses, italianos, alemães, africanos, açorianos, e tantos outros. A colonização das regiões feita por diferentes raças geraram uma autenticidade nas etnias brasileiras, formando um país de tantas raças e culturas e com um único idioma : o português.
Nossa verdadeira origem vem dos povos indígenas, os primeiros habitantes desta terra. Com uma cultura riquíssima, ela vem sendo dizimada e abafada pelos povos estrangeiros desde a colonização. Não obstante, ela uniu-se às outras raças e formou este belo povo brasileiro.
Aliado a tudo isto, muitas diferenças culturais deu-se pela diversidade geográfica, ou seja, características de relevo, clima, temperatura e vegetação diferentes. Muitos povoados ficaram isolados, enquanto que outros tinham suas portas abertas para o externo. Assim cada região teve sua adaptação de acordo com as necessidades locais.
Apesar de termos perdido muitas tradições oriundas dos índios, toda esta junção foi a pitada para enfeitar nosso Brasil. Formou-se uma raça morena, bonita, alegre e solidária.

Seu Clareto – uma pessoa inesquecível
Por Juliano Riciardi

Foi numas destas pedaladas, pelo interior de Goiás, mais precisamente em Nova Roma, que nos deparamos com o seu Clareto. Percorríamos uma estrada recém aberta que nos levaria a localidade de Manguinha. Lá pelas tantas, chegamos ao Rio Paranã, que conforme informações dos nativos deveríamos gritar e esperar alguém vir nos buscar. Não sabíamos o que havia ocorrido mas ninguém veio nos buscar e já estava anoitecendo, Juliano com fome, resolveu fazer um arroz. No meio dos preparativos da comida, um senhor grita do outro lado do rio, era um anjo protetor que pacientemente remou com precisão sua canoa a nos buscar.





Nos Lençóis Maranhenses
Por Juliano Riciardi

Dia 31/05/98 - Tutóia

A partida estava prevista pela manhã. Aproveitaríamos a maré que estava ainda baixa, e nos dava condições para pedalarmos sem que a bike atolasse os pneus na areia. Meu cotovelo direito estava ainda inchado e dolorido, alguma infecção havia se instalado. Mesmo assim, achei desnecessário procurar o médico. Desmontamos nossa barraca rapidamente, guardamos tudo nos dois alforjes, que iam lotados. Empurramos a bicicleta até a sairmos do quintal daquele casal de pescadores, que haviam nos hospedado. Alcançamos a areia dura, e então, saímos pedalando sentido oeste, despedindo de crianças que estavam por ali, e guardando para sempre aquelas impressões maravilhosas, na praia de Tutóia, litoral do Maranhão.
Já eram 10:00 hs, e o sol forte queimava pra valer, entendemos porque, desse povo ser bem mais escuros que nós, pois aqui, não existe inverno definido como o sulista, que enfrenta invernos com rigorosas temperaturas abaixo de 0 Cº. No Maranhão, o inverno ocorre uma predominância de chuvas contínuas e fortes, é calor o ano todo.
Pedalamos pela praia, até por volta das 11:30 hs, até vermos uma construção de madeira que abrigava um barco de pesca. Consultei o velocímetro que marcava 7 Km até aqui. O sol estava forte de mais e não faria bem pedalar neste horário, resolvemos parar. Aproveitamos e comemos um pouco. Enquanto Cátia descansava na rede, soltei a criatividade e desenhei o ambiente local. Avistamos algumas casas de pesca com barcos, mas nenhum morador local. Daqui em diante seria dunas, dunas e dunas ...
Na praia observávamos a aparição de córregos, que se formam no meio da areia, deixando buracos, onde o lençol freático acabava aflorando.
Reiniciamos nossa jornada por volta das 14:30. Pedalamos ainda pela praia, aproveitando o vento em nosso favor, e a maré ainda baixa, que quando sobe, chega a atingir sete metros nesta região. Ao todo, fizemos 36 km, de Tutóia à Barra do Rio da Fome, próximo aos municípios de Paulino Neves e Rio Novo.
Chegamos na barra por volta das 17:00 hs, onde avistamos ao longe apenas um barco de pesca artesanal. Lá esperamos alguns minutos, até repormos nossas energias e fazermos um reconhecimento melhor do local.
Começamos a gritar por ajuda, alguém havia de nos atravessar para a outra margem. Gritávamos para os pescadores, mas nada adiantava, estavam longe para nos escutar. Insistimos por algum tempo, e nada, estávamos começando a achar que iríamos pernoitar naquele pontal inóspito. A maré vinha subindo rapidamente, e começamos a perder a esperança de atravessarmos naquele mesmo dia.
Esperamos quase uma hora, até que enfim, os pescadores, que já haviam pescado o suficiente naquele dia, resolveram remar de volta a boca do rio. Esperamos pacientemente eles se aproximar mais, e então começamos novamente a gritar em sua direção.
Abanamos os braços e assobiamos, mas ainda não nos viram. Estavam pescando, aproveitando os últimos raios de sol naquele dia maravilhoso. Torcíamos para que nos avistassem e viessem nos buscar.
Muitas tentativas, até notarmos que responderam com um sinal, abanando as mão para nós, nos aliviamos, e ficamos abertos para novas amizades que estavam por acontecer.
Quando estavam se aproximando, percebemos que o barco estava cheio, pescadores e pescados, imaginei que não iriam querer carregar mais um casal e uma bike dupla carregada de coisas.
O barco vinha lotado, sua tripulação eram 7 pescadores da região, homens que acabamos conhecendo mais tarde, se chamavam, Sr. Idalino, Roberto, Bernardo, Branco, Netinho, Chico Rocha e Zé.
Nos apresentamos, dizendo que gostaríamos de atravessar para o outro lado do rio e continuarmos nossa viagem, até mais a frente. Então nos informaram que seria difícil agora ir até a outra margem, pois a maré já estava subindo. Disseram que sabiam de um local melhor para a nossa travessia. Aceitamos a carona, no meio dos pescadores e dos peixes que cobriam todo o fundo do barco. O entrosamento não demorou nadinha, e logo já éramos amigos de todos. Remamos rio adentro, até ...

Dia 01/06/98

Estamos alojados na casa de Sr. Idalino Marques das Chaves e Maria Gomes Cabral, um casal de pescadores nativos, queridos e muito experientes.
Conhecemos Sr. Idalino ontem a tardinha, quando esperávamos o barco de pescadores se aproximar de nós.









Cicloturismo - Praia do Cassino à Barra do Chuí
Por Juliano Riciardi

Objetivos: Promover e despertar o interesse dos participantes pelo cicloturismo na Praia do Cassino, bem como estabelecer um convívio harmônico do grupo e o meio ambiente natural.

Roteiro: Balneário do Cassino até a Barra do Chuí. (aprox. 220 km) de bicicleta e a volta de ônibus até a Vila Quinta. Da Quinta até a praia do Cassino na pedalada (20 Km).

Previsão de viagem: percurso de bike aprox. 7 dias; média de 50 km por dia.

Pré-requisitos:
Se responsabilizar por sua conduta
Estar em ótimas condições físicas e espirituais para enfrentar as situações adversas de clima, convivência em grupo e outros imprevistos.
Não estar com problemas graves de saúde.
Levar e carregar todos os seus materiais de aventura.
Se menor de 18 anos apresentar autorização dos pais por escrito.
Cooperar e respeitar as decisões tomadas pela maioria do grupo.
Agir ecologicamente correto.

Materiais básicos recomendados para a viagem:
Bicicleta em ótimo estado de conservação, com marcha e garupeiras
Peças de bicicleta sobressalentes (remendos, câmeras, bomba de pneu,cabos de freio e câmbio)
Alforjes ou Mochila para carregar os pertences
Extensores elásticos
Plástico para forrar o chão
Barraca de pouco peso
Saco de dormir
Isolante térmico
Toalha de banho
Roupa de banho (shorts, sunga, biquíni, maiô, etc...)
Fogareiro portátil
Panela pequena
Talheres (faca, garfo, colher)
Pano de prato
Alimentação suficiente para uma semana
Caneca plástica ou similar (pequena)
Prato plástico pequeno
Água (aprox. 5 litros)
Material de higiene (sabão, pasta e escova dental, papel higiênico, etc...)
Capa de chuva
Saco plástico sobressalente para lixo
Estojo primeiro socorros
Repelente
Roupa adequada para cicloturismo
- máx. 2 bermudas leve (lycra)
- máx. 3 camisetas curtas
- 1 ou 2 calças de moletom
- 1 blusa de moletom (quente)
- meias
- roupa íntima a critério (poucas)
Sandália fechada ou tênis confortável
Protetor solar
Óculos de sol, Boné ou chapéu
Linha e agulha de costura
Velas e álcool
Lanterna pequena e pilhas sobressalentes
Caixas de Fósforos ou isqueiro
Máquina fotográfica. filmadora e filmes,
mapa, binóculo, bússola, bloco e lápis para anotações, etc

Alimentação básica recomendada:
Pão integral
Arroz integral
Barras de cereais
Leite de soja em pó
Mel ou açúcar mascavo
Sopas quentes integrais
Chocolate em pó ou café
Temperos (alhos, cebola e sal)
Legumes (cenoura, batata, outros)
Queijos em barra (consistência dura)
Bebidas instantâneas (evite as enlatadas)
Passas ou frutas secas (ameixa, damasco, banana, etc)
Biscoitos integrais; granola, sementes secas e castanhas
Frutas de consistência dura (maçã, laranja, pêra,goiaba, etc)
Chás naturais, mate, sucos ou bebidas instantâneas energéticas

Obs:Evitar levar enlatados, bebidas alcoólicas, ovos e perecíveis. Levar dinheiro suficiente para a passagem de ônibus (volta) e a taxa extra cobrada para o transporte da bicicleta. Total 20 Reais.



Expedição Vento Sul
Por Juliano Riciardi

Rio Grande, 11 de fevereiro de 2001.

- Preparativos de Viagem -

Recordo-me bem da minha inquietação e a do grupo ao esperar o tempo melhorar para podermos despontar para mais uma grande experiência arriscada de bicicleta.
A idéia era realmente desafiadora e sem volta, atravessar no verão, e de bicicleta toda a praia do Cassino, uma das maiores praias do mundo situada no município de Rio Grande, no Estado do Rio Grande do Sul, extremo sul do Brasil, estendendo-se até a Barra do Chuí, divisa com o Uruguai, compreendendo, ao todo, 220 km de praia.
Planejamos percorrer este trajeto entre 5 a 7 dias de viagem, contando ainda com possíveis imprevistos de percurso.
O caminho já havia sido trilhado de bicicleta, em fevereiro de 2000 pelo casal aventura Cátia Hansel e Juliano Riciardi, quando a experiência dos dois originou propostas de expedições vindouras constituídas agora, por grupos de pessoas e amigos. Foi exatamente isso que ocorreu no ano seguinte, ocasião em que, juntando tempo, disposição, recursos e equipe, projetamos para o verão de 2001, outra empreitada de bicicleta pela praia do Cassino.
A partir de encontros semanais e discussões em conjunto, uniu-se 7 pessoas com os mesmos propósitos aventureiros e deixamo-nos levar numa tocante pedalada com vento sul.
Preparamos nossa viagem com habilidade e cuidado, calculando a data de saída para o dia 12 de fevereiro de 2001, adaptando-nos, o que é inevitável, às probabilidades metereológicas do dia.
O período e a data de partida foram perfeitamente adequados aos sete integrantes da expedição Vento Sul, que passaram quase todo o início do mês de fevereiro envolvidos com os preparativos da viagem.
Mesmo assim, as coisas foram se acertando aos poucos, e a equipe foi se estabelecendo e acumulando experiências precisas para o desenrolar de toda a excitante aventura.
Na presença de relatos, textos, mapas, fotos, imagens de satélite e planilhas metereológicas, o grupo foi desenhando e aprendendo juntos, minuciosamente, todos os pormenores imaginados antes da viagem, permitindo uma rica troca de informações e um vasto aprendizado com relação à região, agregando outros fatores característicos e de importância fundamental para cada um da equipe.
Essa integração possibilitou estruturarmos um plano adequado para a expedição, efetuando-se de forma integrada, pelos elementos da equipe que na sua pluralidade eram acadêmicos universitários e profissionais das áreas da oceanografia, artes plásticas, engenharia de alimentos e agrimensura.
Desse modo, a diversidade de representações do grupo permitiu uma admirável flexibilidade no planejamento e nas tomadas de decisões da turma, evitando atritos e sobreposições de atitudes acidentais.
No dia 11 de fevereiro, todos os sete integrantes encontravam-se prontos. Abrimos o dia num corre-corre, uma vez que determinados detalhes ainda precisavam ser acertados quanto aos reparos e componentes das bicicletas, à aquisição de mantimentos e à averiguação das condições físicas, emocionais e a motivação do grupo.
A arrancada seria no dia seguinte, embora as previsões metereológicas indicassem vento procedente do sul, contra o nosso sentido, no início do dia 12, o que impossibilitaria a partida de nossa expedição.
Mas tudo destinava acontecer, e o dia atravessou rápido. Acertamos pela manhã uma excursão prévia para a familiarização do grupo e o manobrar das bicicletas.
A sugestão a todos, foi que aprontassem os equipamentos que iriam levar para a viagem. Desse modo, experimentaríamos essencialmente as conveniências e desvantagens do seu acomodamento, afinando melhor em relação ao conjunto todo desse transporte à tração animal, à duas rodas.
Logo no fim da tarde o grupo se reuniu pela última vez para acertar horários e circunstâncias repentinas.
O decidido foi que Juliano acordaria o grupo, passando por volta das 5 horas da manhã na casa da Ana Claudia, onde ficavam Issac e a Bianca, de lá se direcionariam para a casa da Lu e do Fernando e por último passariam na casa do Ottoni, e assim, juntos daríamos início a uma das maiores pedalada de nossas vidas até a ocasião.
As bicicletas permaneciam todas prontas, com uma checagem completa dos componentes e condições dos materiais. O equipamento contido em cada uma pesava cerca de 30 kg, tudo armazenado em alforjes, mochilas e caixas de hortaliças para os improvisados.
Achávamos não ter esquecido de nada, adotando exatamente a listagem de materiais recomendados por Juliano no plano da excursão. Tudo estava lá, ou quase tudo, como pronunciaria Ottoni mais tarde, “faltou à fita crepe e o arame”, mas, exceto estes dois artigos tão necessários, o restante encontrava-se lá: bicicleta em ótimo estado de conservação, com marcha e garupeiras; peças de bicicleta sobressalentes (remendos, câmeras, bomba de pneu,cabos de freio e câmbio); alforjes ou mochila para carregar os pertences; extensores elásticos; plástico para forrar o chão; barraca de pouco peso; saco de dormir; isolante térmico; toalha de banho; roupa de banho (shorts, sunga, biquíni, maiô, etc...); fogareiro portátil; panela pequena; talheres (faca, garfo, colher); pano de prato; alimentação suficiente para uma semana; caneca plástica ou similar (pequena); prato plástico pequeno; água (aprox. 8 litros); material de higiene (sabão, pasta e escova dental, papel higiênico, etc...); capa de chuva; saco plástico sobressalente para lixo; estojo primeiro socorros; repelente; roupa adequada para cicloturismo: máx. 2 bermudas leve (lycra), máx. 3 camisetas curtas, 1 ou 2 calças de moletom, 1 blusa de moletom (quente), meias, roupa íntima a critério (poucas); sandália fechada ou tênis confortável; protetor solar; óculos de sol, boné ou chapéu; linha e agulha de costura; velas e álcool; lanterna pequena e pilhas sobressalentes; caixas de fósforos ou isqueiro; máquina fotográfica. filmadora e filmes; mapa, binóculo, bússola, bloco e lápis para anotações, etc.
Todo esse equipamento estava contido em cada uma das sete bicicletas do grupo e cada um levaria os seus próprios pertences, responsabilizando-se por si e cooperando com as deliberações adotadas pelo grupo.
Agora tudo estava realmente completo, experimentávamos um misterioso anseio de começar esta aventura e ter competência para descobrir novas configurações de afinidades com as pessoas e com o ambiente. Aspirávamos transformar nossas maneiras e dispormos de circunstâncias antagônicas ao nosso cotidiano uniforme e corrompido, queríamos mesmo é satisfazer este sonho fantasioso de nossa imaginação.
O dia 12 realmente amanheceu com uma chuva fina, mas intensa, como previa a meteorologia. Ao despertar do dia, todos compreenderam a situação, teriam que adiar a data de partida da expedição e aguardar o tempo melhorar. Mais um dia para repensar o plano, ponderar as condições e unir disposição e paciência como as substâncias efetivas para a materialização da aventura.
Esperamos o dia 13 de fevereiro com muito entusiasmo e contávamos com a melhora do tempo de qualquer modo. O tratado se sustentou, Juliano sairia passando na casa dos amigos, até que todos estivessem prontos. A previsão metereológica oferecida pelo INPE era uma alteração da direção do vento de sul para sudeste o que ocorreria por volta da meia noite do dia 12, dando condições para a saída.
A presciência metereológica estava certa, ao despertar, Juliano viu que a chuva havia interrompido e as nuvens tinham sido varridas do céu. A primeira coisa que fez foi sair de casa e analisar em que direção o vento estava soprando. Era o sudeste e estávamos com sorte, à viagem ia começar.

Içar dos Pedais - 13 de fevereiro de 2001

As 5:00 da manhã, Juliano estava passando na casa dos companheiros. Issac, Ana Claudia e Bianca já aguardavam prontos e logo se juntaram ao grupo na casa da Luciana. O Ottoni também estava pronto, sempre muito aparelhado e motivado em desabar na pedalada de uma vez por todas.

A saída foi cambaleante para todos. As bicicletas estavam muito pesadas com todo o carregamento que levavam, e cada um ia se habituando aos poucos com aquelas “naves loucas” que nada pareciam bicicletas. Caixotes amarrados, garrafas de plásticos acomodadas nos quadros e nos garfos da bicicleta, guarda-sol pendurado, tudo indicava uma pedalada distinta de outras.
Pararmos na imagem da Yemanjá, à beira-mar, para alguns lembretes, e trocamos dicas de alimentação e alongamentos como técnica habitual dos participantes. Todos pareciam confiantes e na expectativas de uma grande viagem, onde aprenderíamos com o imediato a nos relacionarmos de forma mais natural possível.
Umas risadas a mais e outras brincadeiras concluíram nossa presença no Cassino, tratamos logo após as fotos, montar nas bicicletas desejando alegria para todos e apanhamos o caminho da praia.
Os setes integrantes encontravam-se bem preparados o que tornava a pedalada tranqüila e suave pela manhã. Os 16 km iniciais seria até o navio encalhado Altair, onde poderíamos fazer uma parada para repormos as energias.
Assim decorreu nossas primeiras pedaladas, permitindo-nos experimentar as bicicletas, as relações pessoais e o consenso coletivo.
Logo de início ficou definido o compassar da viagem, Juliano, Fernando e Luciana na frente, Issac, Ana Claudia, Bianca e Ottoni mais atrás. Sempre com abertura aos revezamentos que incidiam na medida da necessidade.
Enquanto adiantávamos nos pedais, aguardava o sol surgir na linha do horizonte, à esquerda do nosso movimento, pronunciando a sua chegava e com a possibilidade de acompanhar toda a nossa expedição naqueles suntuosos dias de verão.
A chegada ao navio encalhado foi comemorada, ancoramos as bicicletas uma nas outras e aproveitamos para se esticar, fazer os comentários, atrás das dunas, ir ao “banheiro”, tomar água, comer uma fruta, fazer umas filmagens e fotografar o nascer do sol. Vinte minutos, foi o tempo suficiente para aparecer um, sugerindo para continuarmos a pedalada. E lá fomos nós, com o nosso destino, passar dias pedalando a praia do Cassino, que liga a cidade de Rio Grande ao Chuí.
Ao olhar para trás avistamos o navio Altair se distanciar de nossas vistas, realçando de fundo a árdua jornada que havíamos preparado para nós mesmos em busca do desconhecido.
No 6º dia cumprimos nossa missão, concluímos a expedição batizada de Vento Sul.
Uma inesquecível aventura de bicicleta, do Cassino ao Chuí, 220 km, conhecendo uma das maiores praias do mundo.




Expedição Caçapava do Sul
Por Juliano Riciardi

21/072001 – sábado.

São 20:00 hs, cair da noite em nossa 3º noite de viagem. Estamos acampados num posto de gasolina, próximo a entrada da cidade de Piratini. Eu e Otoni partimos do bairro Bolaxa da cidade de Rio Grande na quinta feira, às 8:00 hs da manhã. Somente Cátia estava presente em nossa despedida, aproveitamos o momento para iniciar as fotografias.
Após a despedida no Bolaxa, pegamos a BR e só fomos para no vilarejo da Quinta para comprar o álcool. Seguimos em direção a Pelotas. Ainda antes da ponte sobre o Canal São Gonçalo, por volta das 11:30 fizemos uma parada no acostamento da rodovia para fazer uma bóia.
Logo seguimos para Pelotas, onde chegamos por volta do meio dia, aproveitamos para comprar um boné para Otoni nos camelos. Depois fizemos uma rápida passa no Jailton, nosso amigo, que acabou ficando surpreso com nossa chegada e nos acolheu com muita ternura, sem falar no delicioso bolo que também comemos. No final, Jailton, como tinha acabado de vir de uma viagem pela Argentina, trouxe de lá um presente para mim, belo mapa daquele País. Foi demais, nada melhor do que um mapa como presente entre aventureiros.
Então decidimos ir adiante, rumo a estrada que leva a Cangussu, a BR.... Neste primeiro dia já havíamos pedalado bastante, uns 60 kms, de Rio Grande a Pelotas. Acabamos fazendo todo esse percurso com vento contra. Pegamos sentido Canguçu, indo para só na Cascatinha, onde acampamos a primeira noite, próximo as próprias cascatas, com belas quedas d´àgua.
A primeira noite choveu bastante. Assim que chegamos e começamos a montar acampamento, próximo às 5:30 da tarde sentimos que vinha um temporal. Não deu muito tempo para nada, nem para o banho, que foi suprido com uma rápida lava na cascatinha.

Tratamos de montar as barracas e proteger as bicicletas, apesar de que não resolveu muito, pois a noite, com o vento soprando fortes rachadas, acabou descobrindo algumas partes e molhou algumas coisas, mas nada de mais.
Pela manhã, após um rápido café, resolvemos seguir por estrada de terra, aproximadamente uns 15 km até Morro Redondo. Este percurso foi muito bonito, apesar de bastante íngreme também, pegamos subidas com inclinações assustadoras, tendo que, algumas delas, não agüentando e descer da bicicleta para empurrar.
Em Morro redondo conhecemos Jorge, um ciclista meio maluco, que nos viu almoçando na beira da calçada e se aproximou para conversar. Se apresentou com uma história bastante peculiar, dizendo que era funcionário público, mas viajava de bicicleta realizando um trabalho com a igreja. Nos mostrou seu currículo de ciclista através de um recorte de jornal onde estava ele e sua bicicleta, numa reportagem sobre uma viagem que fez até São Paulo. Trocamos idéias, nossos endereços, batemos uma foto e nos despedimos.
Seguimos para Canguçu pelo asfalto. Logo que chegamos na entrada da cidade avistamos um bonito painel em mosaicos que servia com símbolo daquele município. Decidimos então, para tirar uma foto em frente. Foi aí que conhecemos Tarso, um menino que passava de bicicleta por ali e nos viu com aquelas bicicletas carregadas e veio perguntar para onde estávamos indo.
Conversamos bastante sobre a viagem, dando dicas de aventura, saudando os interesses do jovem rapaz, que chegou até dar uma volta na bicicleta do Otoni para sentir a diferença de manobrar uma bicicleta carregada para viagem. Deu para notar que ele ficou bastante empolgado com nós e nós também gostamos de poder viver assim.
Tarso resolveu nos acompanhar até as torres de Tv por onde pegaríamos um atalho e nos livraríamos de uma serrinha. Neste percurso, dentro da cidade, acabei raspando a cabeça num salão, pois com o vento nos olhos, acabavam mais me incomodando. Após esta transformação radical, seguimos para o trevo próximo as torres da cidade. Então nos despedimos de Tarso e pegamos o baixadão da direita, soltando as bicicletas, deixando tudo nos levar. Por nossa orientação, e pelo que Tarso tinha nos dito, mais adiante, haveria um posto a cerca de 7kms. Pedalamos mais de 10 km e não encontramos posto algum., algo parecia errado. Depois de mais uma baixa, passamos por uma escola na beira da pista abandona. Fomos ainda mais adiante, e começamos a subir novamente. Após esta subida, não agüentava mais, avistamos um jovem e fomos pedir melhores informações. Aí sabemos de nosso erro, havíamos pego a estrada errada, logo na saída de Canguçu.
Fique um meio chateado de momento, sem saber o que fazer teríamos que voltar uns 15 km para trás. Senti que já estava exausto naquele dia, o que me irritou, enquanto Otoni sugeria voltarmos logo, antes que a noite chegue. É acabamos voltando uma parte, mas logo na primeira subida, ao ver a escola abandonada que havíamos passado, parei e decidimos acampar aquela noite por ali. Já ia ficando escuro e ainda faltavam alguns quilômetros para chegarmos até o trevo que erramos a direção, faríamos esse trajeto só no outro dia.
Assim, mais tarde, depois de comermos um delicioso arroz a grega, dormimos pesadamente. No outro dia, tomamos café, arrumamos as coisas nas bicicletas e partimos por volta das 9:00 h. Chegamos no trevo de Canguçu às 10:20h, onde paramos para repor as energias, e conhecermos neste momento Cristian que morava próximo e conhecia melhor a região.

22/07/2001 – 9:38 h
Saída do Posto e Restaurante Piratini
Min. 5ºC
Máx.11ºC
Cegamos bastante cansados neste 4º dia de pedalada. Conseguimos depois de muitas subidas pesadas chegar até as Minas do Camaquã. Logo no começo da estrada para as minas, encontramos um casal de carro que levavam duas bicicletas atrás. Eram de Porto Alegre e já estavam indo embora, nos conhecemos rapidamente, o suficiente para trocarmos endereços e guardar recordações.
Paramos para almoçar, em frente a uma feira do colono, na entrada de Santana da Boa Vista, já era 1:00 h passada. Neste local existia um posto de vendas, com vários produtos coloniais. Resolvemos entrar para conhecer e aproveitamos o preço para comprar vinho, biscoitos, mel e goiabada. Conhecemos assim Geovania, a moça que atendia o balcão.
Lá fora, cozinhamos um macarrão a alho, óleo e sardinha. Dali 5 km estava a entrada da estrada que vai levar as minas do Camaquã. E da entrada até as minas, são mais 35 km de estrada de cascalho, com alguns trechos bastante perigosos para bicicleta.
Acabamos chegando a noite na entrada das minas do Camaquã. Acampamos na entrada da vila, onde uns cachorros da casa em frente não paravam de latir e os moradores ficaram espiando o tempo todo pela janela desconfiados.



Aventuras Poética
Por Juliano Riciardi
02/01/2002

Feliz Ciclo Novo no Túnel do Tempo

Foi uma viagem inesquecível, tínhamos tudo o que precisávamos, toda a liberdade de nossas próprias vidas, por cima de nossos próprios medos, sonhos acima das nuvens, corpos em cima de bicicletas e estas soltas no ar, uma troca mútua da vida e da paixão de viver.
Uma tocante pedalada pelo extremo Sul do Brasil. O pedal foi da praia do Cassino em Rio Grande/RS, das maiores do mundo, à Fortaleza de Santa Tereza no litoral Uruguai. O tempo, muito bom, de 27 de dezembro de 2001 a 01 de janeiro de 2002, dias de pura sensação, uma intensidade viva que aflorou ainda mais com os quilômetros avançados, um total de 300 e algumas rodas.
Conseguimos, em fim, houve o deslocar tempo-espaço, como uma real transcendência, Túnel do Tempo, nossas estruturas e relações foram alteradas, temporariamente afetadas, invertebrando, mudando, nos metamorfisamos, com sol, mar, areia e vento bombando nas costas, no corpo todo, como já havíamos experimentado no início, próximo ao Navio Encalhado.
Toda a viagem foi mágica, fantasiada por ETs e seres elementares da natureza, unidos com uma divertida maré do grupo de 4 amigos que ali estavam. Isso mesmo, fomos alimentando uma fábula encantada, na qual navegamos entre seres da natureza incompreensíveis, poéticos e míticos.
Como jovens acendidos e motivados pelo viver para descobrir, e conhecer para preservar, sorrimos bastante, pedalamos bastante, com lua cheia e certos vazios na alma... fizemos fogueira num canto do rio, ali na esquina aquela água gelada por favor, amigos na beira da praia-estrada, dormimos em barraca pouco abrigada, pernilongos e gargalhadas tipo Bicho.
Nos conhecemos melhor, nos sentimos melhor, sentimos nossas opções e preferências, intenções pessoais e coletivas, entre a competição e a cooperação do bando, as extremidades das relações aceitas ou não, na medida da tolerância possível, naufragamos no mar da incompreensão.
Mas houve doçuras também nessa viagem, mel com bolacha e turbina na mão, pessoas “burachas” garrafas no chão, um beijo gostoso no salgado rosto, um suor escorrido com sorriso e um riso aberto de alegria presente naquele momento lindo. Um carinho e outras doçuras, uva passas, tempos passas, jurupiga foi-se embora, chocolate foi muito bom. Um ajuda aqui, outro segurando ali e o alforjes que não para de raspar, feito pele de arraia que se solta cozinhando, ensinando o pescador.
Quando as bicicletas caem, quantas vezes caindo, tudo pro chão novamente, de repente nós rindo. Um pneu vazio, uma brisa gelada, arrepio, aperta aqui que soltou ali, para de me apertar assim, foi tudo meio apertado entre tempo espaço.
O Chuí é logo ali, 220 km de areia papada, de macarrão meio papa, de muitos bons papos. Um farol apareceu na frente, pode ser uns 20 kms e pampas, ou pode ser uma galho no chão, indicando rede de arrastão.
Quando tudo é alegria e toda pessoa se diverte, são momentos comoventes de empolgar o coração. De cima da bicicleta, outra onda se aproxima toda branca em nossa direção, uma água passava rolando, um olhar para trás com atenção, dois amigos pedalando e outros dois no retrovisor, só na distração.
Mais um banho de mar a toda hora, quando quiser, quando tudo o que se quer é poder estar ali, aqui no mesmo lugar, tudo girando muito rápido, os pneus que não paravam de roncar, e os muitos liquinhos espanhóis jogados como lixo no mar.
No Albardão fomos recebidos pelo Gregório e sua família, nos garantindo ovos, água e algo muito mais valioso sua atenção e seu carinho. Fumaça lá no alto do Farol, um arrepio das alturas e um olhar na imensidão, a lagoa mangueira aos fundos completando a gratidão.
Teve de tudo nessa aventura, até uma reportagem vai rolar na Zero Hora, o momento é o agora, aí tudo se desloca de vagar, vagando dependendo do vento e do lugar. Aproveita-se de tudo ou quase tudo, o que não deixamos escapar, o vácuo do amigo, outro jacaré no mar.
Uma chegada cansada, querendo relaxar, o Isaac relaxando na praia veio para nos prestigiar, logo puxou um churrasco de gaúcho para nos presentear, ele já conhecia a mesma vontade, e saudade de pedalar, comemoramos nos “Las Brurras” e depois fomos deitar.
Dia seguinte chegamos no destino traçado, o farol do Chuí ao nosso lado, fomos todos abraçados. Um sentimento de vitória, de volta, vontade de fazer tudo de novo e de ir embora, as meninas foram...
Outros preparativos começamos preparar, encarar o Uruguai e na Fortaleza acampar, fomos contagiados, não conseguimos mais parar. Dois doidos de bicicleta pela fortaleza a passear, fazendo amigos por todos os lados e pessoas novas a desvendar.
Ao final, passamos o ano chovendo, alongando as amizades, o caminho, o carinho e corpo como todo. Depois de tudo resolvemos voltar, direcionados para frente, com saudade do que jaz. Por um momento e alguns quilômetros queremos mais...










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Viagem de Rio Grande a Osório - Maio de 2002
Por Juliano de Paiva Riciardi

11.05.2002 – sábado - Estreito

Estou acampado perto do estreito. Ontem saí do Bolaxa por volta das 10:00 horas. Cruzei o canal da Lagoa dos Patos num barco, junto com surfistas que iam para um campeonato nos molhes leste. Segui até S. José do Norte e depois peguei a estrada do inferno. No início do caminho conheci 3 meninos que me convidaram para um banho num poço, topei.

12.05.02 – domingo - Estreito

Acordei por volta das 7:00 hs, ás 8:30 hs já tinha tomado café e ajeitado toda a tralha na bike. Peguei estrada de terra batida por mais ou menos 3 km até a entrada para o estreito. Daí foram mais uns 3 kms até a beira da praia.
Comprei um pouco de mel numa venda, na verdade não era dos melhores, mas supriu um pouco com a glicose. Aproveitei as pessoas do local para pedir informações. As 10:00 hs cheguei a beira da praia empurrando a bike.
O dia está maravilhoso, com sol intenso. Aqui na beira da praia o vento sopra ainda mais forte, vindo do norte contra a minha direção.
Na venda onde comprei o mel, conheci um casal, ela era do Paraná, não sei a cidade, mas conhecia Maringá. Ficaram animados com o meu espírito de aventura.
obs: Ontem perdi um parafuso da garupa da bicicleta, por sorte eu levava outro de reposição.
Um sr. Me acompanhou no pedal por uns 5 kms. Passei por um casal pedalando. O pessoal aqui dessa região é bastante receptivo.
Uns pescadores me informaram que são 36 kms até o Bujuru. Do local onde estou são só mais 30 km.
A bicicleta está com um barulho estranho no eixo da frente, acho que falta um pouco de óleo, como não trouxe, pensei em passar margarina...
São 11:15, parei para fazer o almoço, um despertar me chamou a atenção para uma moita grande, que poderia me abrigar do vento e do sol.
A primeira coisa a fazer, fui tomar um banho de mar. Decidi depois fazer um macarrão com lingüiça para forrar o estômago
O vento tem aumentado aos poucos. Hora do almoço.
Conheci dois pescadores na beira da praia hoje ( domingo). Um deles chamava-se “Guelo”, acho que é um apelido. O outro não sei, pois logo que cheguei ele se retirou para o barraco que ficavam. Fiquei alguns minutos conversando com Guelo, que me contou que estava ali mais de 20 dias pescando. Estava contente pois haviam pego bastante peixe todos os dias.
Depois de fazer uma rápida amizade Guelo me presenteou com um peixe, uma bela tainha.
São 8:00 hs da noite, estou em Bujuru acampado do lado da casa do Sr. Henrique. Ele tem uma oficina de moto aqui na vila. Quando cheguei a bicicleta estava com um raio traseiro quebrado, o que começou a pegar o pneu no quadro. Resolvi desmontar o alforje traseiro para concertar o problema. Virei a bicicleta para cima, desafrochei os parafusos do eixo traseiro, ajeitei a roda no lugar certo e montei os alforges novamente. Dei algumas pedaladas e pronto, logo estragou novamente. Tive que repetir toda a operação novamente. Depois apertei bem as porcas , montei na bicicleta e fui embora.
Cheguei em Bujuru por volta das 18:15 hs da tarde, já começando a escurecer. O Sr. Henrique me recebeu muito bem em sua oficina, que ficava na garagem de sua casa. Me ofereceu água gelada, o banheiro para eu tomar um banho, janta e até me fez companhia até o centro da vila para eu telefonar para minha mão, alias é dia dela. O único orelhão de Bujuru não quis funcionar comigo.

13.05.02 – segunda-feira - Bujuru

Acordei as 7:00 horas com o barulho dos tratores e caminhões passando ao lado de minha “casa”, Ontem fui dormir com o dedão do pé esquerdo doendo bastante, acho que é unha encravada.
Acabo de chegar em mostardas, ainda não completou as 18:00 hs. Entrei na cidade, dei uma pequena volta por suas ruas principais e parei numa lanchonete, queria comer e descolar um local para acampar. Aqui, na frente da lanchonete, tem um ginásio, acho que tem banho.
Hoje o dia foi longo. Acordei as 7:00 hs, ás 8:00 hs já estava na estrada, a do inferno, os 7 primeiros kms foram horríveis, mas superei em mais ou menos em uma hora e meia. Após isso, peguei o asfalto, Tavares ainda estava a 43 kms. Fui aos poucos revesando pedaladas com paradas de 15 minutos. Cheguei em Tavares, próximo a uma da tarde. Parei no orelhão mais próximo para telefonar para minha mãe, depois fui consertar a Samira. Num supermercado comprei um refri de 2 litros por 0,80 centavos, óleo para a corrente e velas.
Saí da bicicletaria as 16:00 hs com um gasto de 7,50 R$, 5 raias, desempeno da roda, que não ficou muito bom, tirei uma folga no garfo, da roda e dei um banho de óleo na pinha.
No caminho para Mostardas, um motoqueiro (Luciano) que faz a medição da luz nas comunidades rurais me acompanhou por alguns quilômetros. Amanha espero fazer uns 100 kms.

14.05.02 – terça-feira - Mostardas

“.... na vida temos que saber brincar com o tempo...”

Acordei as 7:00 hs e novamente ás 8:00 estava pronto para partir. Um amigo que fiz ontem a noite, o menino Jonathans passou por aqui para se despedir. Agora são 10:00 hs, estou num posto em São Simão. Tomei um guaraná, comi uma batata palha e uma goma. Agora vou partir para Bacopari. De São Simão a Bacopari são 55 km de estrada asfaltada. Fiz uma parada para almoçar no posto Braga, daqui a Bacopari são mais 29 kms. De almoço fiz um arroz com lingüiça e quijo, que ficou pronto rápido e muito bom.
Cheguei em Bacopari as 4:25 da tarde, o vento contra soprou mais forte hoje, fez com que diminuísse a velocidade média e aumentou meu desgaste. Apesar disso, hoje foi o dia que mais pedalei, 87 kms. Bacopari é só uma vila na beira da estrada, BR 101, um pouco antes tem um acesso para a praia de 5 km. Assim que cheguei no posto de gasolina fui pedir um pouco de água e me informar um pouco da região. Soube que o posto tem banho, então não perdi tempo. Acho que vou dormir por aqui hoje, tem ótimas árvores na lateral do posto. Amanhã cedo, sigo viagem. Até agora já rodei 253 kms.

15.05.02 - quarta-feira - Tramandaí

... o que falta comprar: sabão, álcool, leite.

Hoje a pedalada foi produtiva. Saí de Bacopari antes das 8:00, próximo as 10:00 hs estava chegando em Palmares do Sul. O vento contra não ajudou muito, mas mesmo assim a pedalada estava rendendo. Logo na entrada de Palmares, peguei um atalho a direita de 15 kms de estrada de terra. Passei pelo Túnel Verde, um pequeno vilarejo exótico, ás margens da RS 040,que contem um túnel na própria rodovia , feito de árvores que fecham suas copas uma nas outras, formando um túnel de aprox. 3 km. Aproveitei uma barraca colonial, um poucos antes ainda do túnel, dessa de beira de estrada, para tomar uma garapa e comprar um biscoito de amendoim e açúcar mascavo. Mais a frente peguei o trevo para Cidreira, em vez de Pinhal. Cheguei em Sidreira bastante cansado, e fui direto para a praia tomar um bom banho de mar. Nesse tempo, foi eu sair da água e o tempo virou. Começou a soprar um vento forte do sul e armar um temporal de chuva. Como não consegui um caixa para sacar dinheiro em Sidreira, o jeito foi disparar para Tramandaí. Aproveitei o vento que vinha do sul e pus a bike para andar de verdade. Agora sim, o pedal rendeu. Antes das 14:00 hs estava chegando em Tramandaí. Nem acreditei, fui ao banco, fiz uma pequena comprar e depois procurei o batalhão da polícia para me abrigar com segurança do temporal. A chuva logo começou e só foi parar no outro dia pela manhã. Hoje pedalei 92 km.


Diário de um Desafio
Por Juliano Riciardi

Rio Grande/RS – Tavares/ BR 101
18.09.2002 – quarta feira – 10:50 hs

Estou em São José do Norte, esperando minha carona, numa esquina da cidade.
Saí de Rio Grande por volta das 7:00 horas da manhã. A balsa da barra, que faz a travessia para São José do Norte, não estava funcionando. Por isso, tive que ir para o centro de Rio Grande, para poder fazer a travessia.
O dia amanheceu com uma neblina fina e intensa (visibilidade 200 m), ventando um pouco forte, vindo da direção nordeste. Pelo jeito o tempo não vai abrir tão cedo, o sol também não apareceu.
Para fazer a travessia de lancha, paguei um real pela bici e mais 1,20 do bilhete para uma pessoa. Ainda na travessia, minha presença é notada com um pouco de espanto e interesse. Um Sr. que estava na lancha, curioso e gentil, me oferece uma carona de caminhão até o Bojuru. Que ótimo, adianto quase 2 dias de viagem, só terei que esperar em São José do Norte por mais uma hora.
Aproveitei uma feirinha em S. J. do Norte para comprar bananas e mexericas. Nessa esquina, onde encostei minha bicicleta, fiz algumas amizades que se interessaram pela bicicleta carregada. Senhores, jovens, crianças e mulheres paravam para perguntar alguma curiosidade de momento. A sensação é do estrangeiro.
A vivência da partida é muito emocionante e aflita. Fico pensando em tudo o que irei por eventualidade precisar, verifico minha lista de materiais, confiro se tenho alimentos, água necessários, por fim, reconfiro.
No decorrer da semana anterior a viagem, os amigos se despedem, sempre com uma mensagem de boa sorte, e um forte abraço apertado. A sensação da largada é com muito entusiasmo e apreensiva. Tenho que aos poucos, me desprender de tudo, das coisas domésticas, dos amigos mais próximos, das paisagens cotidianas. Um jeito estrangeiro começa a se personificar em mim, vou me transformando num ser viajante, próximo e distante de coisas que não conheço.
Parado na esquina, noto a curiosidade dos que passam na calçada e vê aquele jovem junto aquela bicicleta carregada para viagem. O que ficam a imaginar será ? Mil coisas e todos deliram...
Saímos de S. J. do Norte, de caminhão Mercedes, por volta das 13:00 hs, carregado de bebidas, dois tronco enormes de pinho, que serviriam de poste em Bujuru e minha bicicleta. No início da viagem fui dentro da cabine do caminhão, junto com o motorista e um oficial de justiça, que aproveita a carona para trabalhar em Bojuru. Depois, fiquei sabendo que era padrinho de uma colega de trabalho.
Ainda na saída de S.J. do Norte, outros 3 rapazes, pegam carona e vão na carroceria, mais tarde resolvi ir para a carroceria também, assim ficaria mais a vontade, podendo cuidar de meus materiais e fazendo novas amizades.
A carona até Bojuru me deixou não mais de 1.500 metros do asfalto, onde iria descarregar. Isso foi ótimo, pois havia passado o pior pedaço da “Estrada do Inferno”, como é conhecida este trecho da BR 101, em meu primeiro dia, e quase sem esforço. Após um curto pedaço de terra, cheguei no asfalto. Então parei, repus as energias com mel e banana, revi se as bagagens estavam bem presas, preparei o walk man, ele iria impulsionar minha pedalada aquela tarde.
São 19:10 e depois de buscar um bom local para pousar aquela noite, acabei acampando na beira da pista. Para Tavares faltam ainda uns 20 kms. Não consegui fazer hoje esta quilometragem em tempo, pois, apesar da carona e da pista boa, o vento estava forte e contra a minha direção. A tarde toda, não consegui fazer mais que uns 35 kms.
Agora, no início da noite, esta começando a chover devagar e a ventar um pouco mais forte. Acho que estou protegido, numa baixada ao lado da rodovia, onde há uma pequena plantação de pinho. O movimento da estrada quase não existe.
Nesse momento já me alimentei (macarrão com charque), antes fiz uns alongamentos, me concentrando na respiração e relaxamento. Só falta escovar os dentes e dormir...
Tavares/RS - Mostardas/RS
(BR101 Estrada do inferno)
19.09.2002 – Quinta feira – 7:15 hs

Acordo bem disposto e aproveito ainda para refazer os alongamentos da manhã. A chuva não se estendeu muito a noite, deu para dormir bem, apesar do vento ter soprado cada vez mais intenso.
Me levantei as 6:15, o tempo mostrava-se hostil, com rajadas de vento fortes. Já tive tempo para preparar um café e agora 7:15 um chuvisco fino começa a cair. Vou ter que aguardar dentro da barraca.
Aproveitei para arrumar as coisas na bicicleta, agora só falta o material que guardo protegido dentro da barraca. Estou louco para por o pé no pedal ainda esta manhã.
O tempo parece não querer dar trégua, e pelos trovões intensos, o temporal está se armando...
... dentro da barraca sozinho, escuto um som mansinho, penso nos seus carinhos me envolvendo bem de levezinho...
Com a chuva aumentando tive que tomar algumas medidas de precaução com a barraca. Fui para fora fazer alguns ajustes, estiquei a capa de cima, amarrei em árvores próximas. Distanciei os tecidos internos, firmei as estacas melhores. É pelo jeito a chuva vai demorar, terei que ter paciência e acho que o melhor a fazer é esperar.
São 11:15 hs e a manhã se vai dentro da barraca. Já começo a me sentir um naufrago, sozinho no meio desse temporal. Aos poucos o interior da barraca vai molhando, o jeito foi improvisar uma lona interna. Aproveito meu tempo para escrever meu diário, desenhar, colocar as idéias em dia, escutar música, comer algo, descansar...

Mostardas/RS a Tramandaí/RS
20.09.2002 - Sexta-feira - 17:15 hs

Hoje acordei em Mostardas e logo as coisas boas foram acontecendo, acho que foi a minha meia vermelha da sorte. Quando acordei, comecei a arrumar os materiais na bicicleta. Então, um caminhoneiro que havia estacionado ao lado onde eu acampava, para passar a noite, acordava também. Olhei para a placa do seu caminhão que era do Paraná.
Quando me cumprimentou rapidamente, fui logo dizendo não acreditar encontrar outro paranaense perdido por aquelas bandas do Sul. Fomos ficando amigos pela afinidade das estradas, e assim convidei para um café. Ele me ofereceu uma carona dizendo que só teria que parar num local para fazer uma entrega de mercadorias (móveis e eletrodomésticos) em Mostardas. Fui com ele até o local, e lá ajudei-o a descarregar as mercadorias. Colocamos a bicicleta dentro do baú do caminhão e fomos embora. O nome do jovem motorista é Gilson, depois de muita conversa, ele me deixou a uns 120 km de Mostardas, na entrada de Palmares do Sul. Dali, peguei um desvio a direita, que me levou ao Túnel Verde, caminho para as praias de Pinhal, Cidreira e Tramandaí.
A pedalada nesta manhã foi boa, uns 25 kms aprox., dando tempo para chegar em Cidreira para almoçar. Aproveitei um bom bife para saciar minha fome de leão. O vento a favor ajudou bastante, mas assim mesmo, senti muita dor no joelho esquerdo, que já estava doendo da pedalada do dia anterior, que acabei forçando, mais do que sua capacidade.

Tramandaí a Torres/RS
21.09.2002 – sábado

Cheguei a pouco em Tramandaí, me encontro na frente da plataforma de pesca, onde ocorre a concentração das ondas e dos surfistas. Estou a procura do meu amigo Daniel. Já encontrei até seus pais, que não se creditaram que eu estava ali de bicicleta.
Estou a 7 kms do centro de Torres, parado numa cabana, tomando caldo de cana...
O pedal foi muito bem hoje. Na BR 101, quase não se sente a influência do vento e sim, o fluxo dos carros e caminhões. O sol aparecia algumas horas do dia e em outras sumia. Assim conseguia equilibrar minha produção e consumo de energia.
Na estrada, aproveitava as cabanas de produtos colônias, para tomar caldo de cana, pamonha e comprar minhas necessidades. Numa destas barracas, 5 kms de Torres, a do Pelé, fiquei surpreso com o atendimento. Jovens animam os fregueses a todo momento, oferecendo pequenas porções de tudo o que a cabana vende, de graça, a todo momento. Uma fantástica estratégia de marketing que dá resultados, pois eu mesmo fui indicado a parar nela, por opinião de outras pessoas que já conheciam.
“... de bicicleta a coisa é diferente, não passa em cima de ninguém, nem de gente...”
... nem de formiga, que desvia... Já o carro não, passa em cima de gente, de formiga. de caminhão. Em cima de Kombi, de carro, de van e de Voyage...”

Torres a Criciúma
22.09.2002 – Domingo

Ontem, ainda na entrada de Torres fui parado por um motorista de carro, que queria conversar e saber mais da minha aventura. Seu nome é Paulo e também era de Rio Grande. Acabamos nos conhecendo e Paulo me presenteou com mel que trazia dentro do carro.
Aproveitei o tempo para passear no centro de Torres, pegar dinheiro no Banco do Brasil e visitar a praia, com as três grandes torres de rocha.
Em Torres, sem muita opção de acampamento alternativo, acabei, pela primeira vez na vida, pagando um camping, na saída de Torres, para pernoitar. Pesquisando os preços, apareceu um por 10,00, um por 7,00 e um outro por 5,00R$, foi nesse que fiquei. Pelo menos assim, tive banho quente e noite segura.
O camping estava vazio, só havia duas famílias acampando e um senhor que viajava de fusca, sem muito rumo e destino certo. Este senhor, Sr. Sérgio notou que eu arrumava meus equipamento na bicicleta e veio conversar comigo. Ele se demonstrou bastante interessado em viagem de bicicleta, falou que gostava, e que um dia ainda iria experimentar. Sérgio me pareceu bastante valente, desejando essas coisas, com sua idade. Aproveitei para lhe passar algumas dicas e como me preparo para minhas aventuras. Depois de tudo pronto, por volta das 8:00 hs, nos despedimos e parti para a estrada. Meu objetivo para aquele dia de pedal, era chegar até Araranguá.
Apesar da estrada estar bastante movimentada por causa do fim de semana, minha pedalada foi segura e rendeu bem. O clima no dia estava bem quente. O sol queimou meu rosto e meus braços praticamente toda a manhã, tive que me proteger com protetor solar.
Hoje, já saindo da cidade, uns 10 kms, encontrei com um rapaz o Dani. Ele estava viajando de bicicleta também, só que sentido contrário que o meu. Ele já havia ido a São Paulo, e estava voltando para Novo Hamburgo. Ao todo, estava há 22 dias na estrada, não levava muita tralha, pois tinha patrocínio para pouso e alimentação.
Quando vi sua bicicleta equipada, parada na pista, fui logo diminuindo minha velocidade e parei para conversar um pouco. Depois nos despedimos, desejando sorte e cada um seguiu para um lado. Foi ótimo este encontro, saber e presenciar, a existência de outras pessoas fazendo também viagens de bicicleta por aí.
Hoje o dia foi mesmo especial. Ajudei um garotinho na beira da estrada a arrumar a sua bicicleta. Foi no acostamento da estrada, quando passei por esse menino, e notei que ele estava com dificuldades, tentando concertar a sua bici. Aos poucos, diminuí minha velocidade e perguntei se estava com problemas. Ele me acenou que sim. Então parei, coloquei minha bicicleta no pezinho e fui ver se conseguia ajudá-lo.
Ao analisar a situação, percebi que o problema estava na corrente, que caiu e enroscou no eixo traseiro da bicicleta. Assim, peguei uma chave de fenda apropriada, no bolso de meus alforjes, e com um pouco de força, resolvemos o problema.
Antes de o menino se preparar para partir, perguntei seu nome. Muriel, disse ele, me agradecendo e disparando feliz, pelo acostamento, em sua bicicletinha.
Ainda pela manhã por volta das 12:00, cheguei na parada do Japonês, onde esquentei meu almoço, o resto do carreteiro de ontem. Aí conheço Marcos, um argentino que vinha de Florianópolis de moto e ia para Buenos Aires. Ele estava na sua primeira manhã de viagem, um pouco cansado e querendo conversar. Assim que vi sua moto, fui puxar conversa. Conversamos bastante sobre vários assuntos particulares de cada um. Depois, por voltas das 13:00 hs, desejamos sorte um para o outro e partimos.
A tarde, mais sol e puxada forte no pedal. Aos poucos meu roteiro ia ficando para trás, e vi que minha quinta noite, iria passar depois de Araranguá, onde, havia planejado, antes de sair, estar na minha sétima noite.

BR 101 – Criciúma/SC a Garopaba
23.09.2002 – Segunda-feira

Acordo num posto na entrada para a cidade de Criciúma. O dia amanhece de mansinho e o sol promete uma quente pedalada pela frente.
Ontem, o relevo da paisagem começou a mudar um pouco. Apareceram as primeiras subidas e descidas mais acentuadas, mas até agora nenhuma intransponível. A viagem fica menos monótona, podendo acentuar o foco das atenções.
A bicicleta (Bete Guerrilheira) está indo muito bem. No percurso te agora, houveram alguns problemas de corrente, que acabou quebrando 4 vezes. Tive que trocá-la por uma de melhor qualidade, que comprei em Tavares por 10,00 reais. Notei também que o câmbio não está engatando todas as marchas, principalmente as mais leves, que utilizo nas subidas. A rosca do garfo está se soltando, e de vez em quando tenho que parar para reapertá-la.
Parece que estou adiantado dois dias do meu planejamento, que seria 12 dias de Rio Grande/RS a Camboriú/SC.
Quero ver se consigo chegar em Laguna ainda pela manhã, são uns 70 kms. O cuidado aumentava com o movimento da estrada. Pela manhã, inda não acostumado, resolvi pedalar sem o walk man. Aproveitava as barracas e os postos de estrada para descansar, pegar água, comer alguma coisa e conhecer pessoas. Com o desenvolver das circunstâncias decidi pelo walkman, que me deu forças para chegar em Laguna por volta das 13:00 hs.
Na entrada da cidade, avistei uma placa que dizia, rodízio com frutos do mar. Só que eu estava sem um tostão, então tive que ir para o centro de Laguna para pegar dinheiro e depois sair novamente para a BR para comer, nisso foi uns 12 kms.
Me alimentei bem naquele farto almoço e acabei fazendo amizade com uma grande família que almoçava ali também. Após o almoço, deixei a comida abaixar um pouco e decidi pedalar bem suave até um próximo posto.
Na entrada de Itapirubá, parei num orelhão para ligar para o Daniel em Garopaba, dizendo que estava chegando.
Cheguei na casa do Dani por volta das 18:00 hs. Ele vinha do mar, sabendo que eu estava para chegar. O mais difícil foi empurrar a bici no morro que dá acesso a Silveira. Meu Deus, achei que não ia conseguir sozinho, mas a vontade de chegar foi maior.



Praia da Silveira – Garopaba/SC
24.09.2002 – Terça feira

Passei esse dia na Silveira, descansando na casa do meu amigo Daniel Pinto. Aproveitei para fazer uma caminhada com ele, alongamentos e muita troca de idéias. A noite fomos jantar com seus pais num restaurante árabe em Garopaba.
Quando voltamos da janta, acabei reparando os últimos detalhes de viagem, pois iria partir na manhã seguinte. Foi uma hospedagem fundamental, uma boa forma de revermos amigos, fazermos exercícios e vivenciar tudo isso com as pessoas que verdadeiramente fazem parte de sua vida.
Garopaba – Camboriú
25.09.2002 – Quarta-feira

Acordei as 6:00 hs, a bicicleta já estava preparada, só tinha que me lavar, tomar uma café e partir. O Daniel também acordou dizendo que iria me ajudar a empurrar a bicicleta até o agudo morro que temos que transpor para chegar na praia da Silveira.
Fizemos alguns alongamento e lá fomos nós, conversando as últimas idéias, planejando os próximos contatos e um pouco saudosos pelo momento da despedida.
Após a força de empurrarmos o bicicleta morro acima, paramos no topo, tomamos uma água e preparamos a máquina para tirar a última foto.
Um forte abraço foi a forma afetuosa para partir, mas era isso, aquela grande amizade sempre estará em nossos sentimentos. Valeu meu amigo.
Próximo as 7:00 hs, quando resolvi parti, montei na bicicleta sabendo que a descida que me aguardava adiante também não seria simples de superar, pois iria exigir de mim muita atenção, precisão com o equilíbrio e os freios da bicicleta.
A minha bici, a Bete Guerrilheira, iria ser colocada em prova integral, e agüentou tudo isso com segurança.
Meu interesse era seguir por uma estrada secundária que parte do centro de Garopaba, sentido norte, saindo já em Paulo Lopez.
E foi o que fiz, assim só sai na estrada asfaltada ( BR 101) bem mais tarde, por volta das 10:30 hs. Demorei deste ponto até Florianópolis quase 2 horas e meia, foi quando notei no relógio que estava chegando em Florianópolis as 13:00 hs. Foi um percurso rápido o que cumpri pela manhã, acho que o walk man, o vento a favor e a vontade de chegar para ver minha namorada, foram os impulsores principais dessa aventura.
Não entrei na ilha de Florianópolis, só fiz uma breve parada num posto de gasolina para comer um lanche leve, repor água, uma breve descanso e seguir pedal. Aproveitei para ligar naquele dia para a Kenya e dizes que não sabia se iria dar tempo para chegar ainda hoje em Balneário Camboriú. Apesar de tudo encontrar-se favorável, e já ter pedalado naquela manhã aproximadamente uns 60 kms, ainda teria que percorrer naquela tarde cerca de 98 km. Para mim seria uma média bastante alta. Fazer próximo de 160 km em um dia de pedalada no sol forte daqueles dias, foi para mim a superação dos limites físicos e espirituais que pude viver naquela solitária e prazerosa aventura.
As 19:00 hs estava em Balneário, ligando para a Kenya para combinarmos nosso encontro, havia completado minha primeira e grande aventura sozinho e com todos que tomei contato esse tempo todo.
O silêncio que me preencheu estes dias foi vital para minha renovação espiritual. O distanciamento de muitas coisas ao mesmo tempo, serviu para me mostrar à importância de nossas relações, como afetamos e como somos sutilmente afetados. O cuidado com as ações, o afeto com as pessoas, a busca do coletivo gerado da nossa prática. A solidariedade feita, os laços, as condições, os sentimentos vividos, a intensidade das cores e a contaminação dos aromas. Tudo havia se impregnado em mim, de uma forma total, me integrando a natureza, a velocidades, os ciclos naturais, a percepção de mim e a ligação com ambiente, minhas pedaladas unidas com o cosmos.


Enfrentando as tempestades da vida...
Por Juliano Riciardi

Rio Grande – RS - 05.10.02

Quando sai para aquela pedalada, estava certo do que queria, viajar numa aventura cheia de emoção, mistérios e magias. Isso tudo, o que só uma boa pedalada de bicicleta pode proporcionar. Mas não esperava ser pego de surpresa por aquele temporal...
Já aguardava a chuva, dentro de minha barraca, toda a manhã do meu segundo dia de viagem, que não deu muita trégua, e estendia desde a noite anterior.
Quando por volta das 11:30, percebi que o vento diminuíra, por um breve momento, imaginei que poderia arrumar os materiais, mesmo molhados e sair para pedalar, aproveitando a direção do vento que parecia mudar. Mas de repente, tudo vira, tudo muda rapidamente, não como queria, sou pego de surpreso por um vendaval, um ciclone de verdade...
As rajadas fortes do vento inclinaram a barraca até o limite máximo de resistência e flexibilidade de uma só vez. A primeira vareta logo se rompeu, mostrando que nada era brincadeira por algum tempo.
A tensão toda foi aumentando proporcionalmente com a força do vento, que em rajadas cada vez mais fortes, e muita água, acabou dominando de vez todos os sentidos externos e nos interiorizou num ambiente hostil, no interior de uma barraca, no meio do nada. Os nervos subiram as superfícies e nada se salvava mais, tudo estava molhado....
No deserto do desespero, o que pude pensar de imediato era, salve-se quem puder, a mim e tentar desarmar a barraca, antes que voássemos tudo juntos. Rastejando naquele mar de água e vento, com certa dificuldade pelo imediato e inesperado, consegui alcançar os zíperes da porta da barraca, onde pude abrir, esticando os braços para fora, e desprendendo as varetas laterais..
Assim, com muito sufoco, no meio daquele naufrágio desesperador, consegui fazer com que a barraca se desarmasse e caísse sobre mim. Então, abri uma fresta da porta, para poder respirar, agüentei deitado, firme, tentando se proteger de possíveis quedas de árvores, e meio assustado, pude viver toda aquela ventania passar.
Foram aproximadamente 15 minutos intermináveis, onde só consegui voltar a pensar em alguma coisa, quando tudo parecia se acalmar, era a bonança que chegava depois da tempestade...
Ainda deitado, comecei a sorrir de alegria, de ter vivido aquilo, de ter conseguido sobreviver...
Assim, pude perceber nesse evento da natureza, o que já havia lido em algum lugar : que para se manifestar toda a energia de uma alma, são-lhe de muito proveito os rigores da dificuldade.
Estava feliz de estar ali, todo molhado, sujo, aprendendo a ir além, a superar meus medos internos e externos, a me adaptar em conjunto com a natureza.




Uma inesquecível viagem
de bicicleta pela BR 101

Dados de viagem:
Autoria: Juliano de Paiva Riciardi
Percurso: Rio Grande/RS a Balneário Camboriú/SC –BR 101
Quilometragem aproximada: 850 Km
Duração: 18/09/02 a 24/09/02 (1 semana)

A vida é uma aventura ousada ou nada.

Viajar de bicicleta por quilômetros e por dias é como viver com a alegria renovada a todo momento e todos os dias. É o pulsar da vida em nosso caminhar. O que pretendia, agora que pegava férias da faculdade, era poder voltar a sentir essas emoções, de um personagem viajante, que se conhece e conhece pessoas diversas, e diversos universos.
O meu planejamento era percorrer em 12 dias, um total de 850 quilômetros de bicicleta. É claro, já estou acostumado a fazer este tipo de aventura, onde busco sempre preparar minhas condições mentais, físicas, espirituais, ecológicas e econômicas, para poder chegar com equilíbrio e satisfação a esse estilo de vida.
Saí da cidade de Rio Grande no dia 18.09.02, uma quarta feira um pouco fria e neblosa. A intenção era percorrer todo o litoral gaúcho e boa parte do litoral catarinense, pela conhecida “Estrada do Inferno”, a BR 101. Na saída, tive que fazer a travessia do canal da Lagoa dos Patos, entre Rio Grande e São José do Norte pegando a barca no centro da cidade.
O dia da partida amanheceu com bastante cerração, o que dificultava a visibilidade e não abriu sol pelo resto da tarde. Ao atravessar a balsa, por sorte, consegui uma carona num caminhão até Bojuru, a pior parte de todo o percurso.
Um temporal me pegou no segundo dia de viagem acampado na beira da estrada. Pude me sentir como um naufrago, sozinho dentro da barraca, que acabou não agüentando toda aqueles 15 minutos de fortes rajadas de vento, que chegaram a 140 quilômetros por hora. Depois fui saber que foi um ciclone que havia se formado tão de repente.
Após a tempestade vem a bonança. Peguei a bicicleta, e no mesmo dia, cheguei até o município de Mostardas, passando o Parque Nacional da Lagoa do Peixe. No outro dia, de Mostradas, outra carona me deixou 15 km do Túnel Verde, que abre caminho para as praias de Pinhal, Cidreira e Tramandaí.
Em Tramandaí completei meu 5 dia de viagem, onde, pela ocasião, pude encontrar com meus amigos, irmãos do surf Daniel, Likoska e Barleta, que participavam de uma competição. Por um dia pudemos nos rever, comemorar esse encontro e projetar outros futuros. Após a despedida no outro dia, marcamos para se encontrar ainda em Garopaba, praia da Silveira, que por lá passaria, após mais 2 dias no pedal.
Depois de mais um dia de descanso em Garopaba na casa do Daniel, prossegui minha viagem. E em meu último dia de pedal, me superei, com rápidas paradas para descanso, comida e outros, cobri cerca de 140 kms pela Br 101. Neste mesmo dia saí de Garopaba, passei por Paulo Lopez, São José, Florianópolis, Biguaçu, Tjucas, Porto Belo, Itapema e por volta das 19:00, já quase escurecendo, chegava ao meu destino final o Balneário de Camboriú.
A todo o tempo a bicicleta que preparei especialmente para esta aventura resistiu todas as condições adversas. Em viagem de estréia, ela me passou muita segurança apesar do trajeto atribulado. No fundo ela me possibilitava uma grande liberdade, e assim, acabei batizando-a de “Bete Guerrilheira”. No caminho apenas a corrente apresentou problemas, acho que pela má qualidade, partiu 4 vezes, tendo que trocar. No mais, notei quando cheguei em Balneário, que uma raia traseira estava quebrada, quem sabe, devido o peso da bicicleta em excesso e alguns buracos que pegamos na estrada..
Com todas essas condições e com minha força de vontade, o que pude aprender nessa aventura, além de outras coisas, é que os únicos limites que temos são: os tamanhos das nossas idéias e o grau da nossa dedicação. Que contra os obstáculos que opõem as mudanças da vida, nada de grande e de bom se pode levar a cabo, sem um certo grau de fervor, intensidade e energia, e que, conjugados com a fé, valor e esperança, constituem o entusiasmo..
Uma vez disse R, W. Trine: “O homem de firme vontade, por virtude das forças que traz consigo, converte em auxílio o obstáculo e é como a águia que, em seu vôo altaneiro, se vale do vento contrário, não só para remontar além das nuvens até onde não alcança a simples vista dos mortais, senão também para voar mais rápida e seguramente nas altas regiões da atmosfera”.
Em seguida viajamos que o todo é mais, que o devir nos desloca num movimento natural, nós, as idéias e a “Bete ‘, com a velocidade da luz....









Rio Grande, 10 de fevereiro de 2003

Cartografia de um Ciclista – meditação em movimento
- Por Juliano de Paiva Riciardi -

A linguagem - Andar de bicicleta é uma das minhas linguagens em movimento prediletas. Penso que deve ser pelo aspecto lúdico que este transporte me oferece desde criança. Já ganhamos como um brinquedo que geralmente é dado de presente por nossos pais, tios ou avós. Este acessório tão rústico - pois ainda vemos antigas bicicletas pelas ruas, e tão moderno - que existem as especializadas conforme o físico, tem narrativas bem distintas. Seu uso é o mais variado, servindo ao homem para o lazer, para o trabalho, para o turismo e muitas outras atividades. Ao andar de bicicleta passamos uma sensação vital, pelo corpo que impulsiona o seu meio de condução. A semiótica é ativa, delicada, não agressiva, harmônica e acolhedora. Quando nos transportamos de bicicleta, estamos a par de simbologias do imaginário coletivo, não alienante, não degradante. Um meio alternativo de fazer contato, de cruzar as culturas atuais e se inserir de forma sustentável permeando por todo o conjunto da sociedade. A bicicleta faz parte de distintas grupos sociais, desde os burgueses, mais ricos até as classes populares, mais carentes, da cultura nativa à sociedade complexa. A bicicleta enuncia uma linguagem compreensível a todos, sustentável, uma inclusão social viável, um transporte cultural disponível que poderá ser uma estratégia para o futuro da humanidade.

A liberdade - Soltar as mãos em cima de uma bicicleta em movimento é uma sensação incrivelmente de desafio. Quando conseguimos fazer isso pela primeira vez, ainda criança, nos sentimos completos. O sentimento de liberdade conquistada é talvez o melhor que a bicicleta pode lhe proporcionar. Andar de bicicleta pode lhe mostrar as vantagens desse veículo, que de forma livre, lhe proporciona percorrer distancias incomensuráveis através apenas de seu próprio esforço. De bicicleta não dependemos de combustíveis, além é claro, de uma boa alimentação. Viajar por dias então, é outra liberdade aventureira que só a bicicleta consegue assegurar. Colocar toda sua tralha de camping necessária amarrada na garupa e sair em busca de novos caminhos, são formas de experimentarmos a liberdade do movimento. É isso que nos solta a imaginação, que nos preenche de horizontes utópicos e que nos dispõem de coragem para seguirmos pedalando por mais milhares de quilômetros. Conhecer é libertar-se, e através da bicicleta podemos imprimir uma velocidade natural de contato com o ambiente que dispomos a apreciar. Na companhia de toda liberdade, andar de bicicleta transmiti da mesma forma sua tonalidade complementar, a responsabilidade. O livre-arbítrio no trânsito é a atitude de nos conduzir com segurança e todo cuidado é pouco. A liberdade que a bicicleta nos proporciona é efetiva nas experiências que nos levam a nos descobrirmos como nós mesmos, e a todos os momentos, nos levam a adotarmos escolhas responsáveis nesse pedalar.

A espiritualidade - A conexão cósmica que conseguimos captar durante uma longa pedalada, ocorre nas vias da respiração, transpiração, movimento e doses crescentes do sensível. O vínculo de pertinência ao todo, através dessas sensações biológicas primais, percepções espirituais e fronteiras físicas do corpo, nos conduz a estados de equilíbrio dinâmico, associações energéticas, espaço-temporais. Espiritualidade do ser que se percebe a si mesmo e ao cosmos simultaneamente. Esse caminho onde o ciclista amplia suas referências, sua entidades corporais, sua percepção, sua intuição. Uma forma de reflexão profunda sobre quem nós somos, descobrindo aspectos escondidos de nossa natureza e expandir nossa consciência. Na vida de um dedicado ciclista aventureiro se desenvolve numa ecoética, que se alarga como purificação do caráter moral para evitar ferir os outros. A humildade é colocada em exercício, e alcançamos seus predicados através da receptividade apaixonada com que as pessoas nos acolhem durante uma viagem de bicicleta. Os pensamentos são limpos, as palavras são refletidas com sinceridade pela clareza harmonizada da mente, sendo preenchidas com o poder da verdade em seu relato vivo. Quando a espiritualidade está incorporada ao agora, sempre temos disposição de escutar e aceitar os outros, o que contribuir para elevar a auto-estima das pessoas que conhecemos. A espiritualidade amplia a consciência e nos dirigi como o amigo mais chegado que olha nossa atuação e nos incentiva a exercer melhor a nossa próxima cena. Seja qual for o prazer que possamos obter nas distintas configurações do mundo, a mais intensa alegria vem da percepção do invisível, do mistério – a legítima fonte de amor que vive dentro de nós. O ciclista viajante recompõe essa vivencia espiritual de fusão orgânica com a Terra, e submerge numa união cósmica integral, reavendo suas origens ao experimentar essa sua identidade radical.

O limite – Andar de bicicleta é experimentar as particularidades e limites da matéria, do físico, do espírito e da alma aventureira. É também aceitar os limites do nosso meio ambiente e da nossa própria humanidade – do nosso corpo celeste. Quando estamos em movimento com a bicicleta, deixamos de usar só a cabeça. E se não fizermos isso com freqüência, então a emoção atrofia-se e o pensamento fica desequilibrado. Através de nossa imaginação podemos contatar o infinito. E o nosso desejo e a capacidade de escapar às limitações materiais e ultrapassar o particular é parte do que nos torna humanos. As particularidades e limites do nosso meio ambiente, dos materiais e da nossa própria humanidade constituem uma cartografia em que são possíveis ação moral e criação autêntica. Quando procuramos a transcendência sem reconhecer os nossos limites, perdemos contato com a realidade. Convencemo-nos de que de certo modo podemos ter sempre mais – a imortalidade, talvez, ou um crescimento ilimitado. De bicicleta você se dispõe a viver a realidade finita dos recursos e do tempo. A experiência do limite te faz viver com capacidade de aceitar como ótimo tudo aquilo que já possuímos – os nossos corpos, as nossas relações pessoais, as plantas, os animais e o solo do nosso meio ambiente imediato. Na melhor das hipóteses, uma viagem de bicicleta ajudam-nos a reacender a importância da simplicidade e dos limites e ajudam-nos a reciclar a capacidade de sentir. Assim, a bicicleta preenche um papel central na inauguração da cultura sustentável.

A ecologia - A biografia do ciclista, possibilita uma abordagem relacionada de três ecologias associativas na vida individual e coletiva. A ecologia da alma, a ecologia social e a ecologia cósmica. A ecologia da alma convida a adoção de um estilo de vida saudável. Seguir uma dieta nutritiva e equilibrada, fazer exercícios físicos regularmente, abster-se de tabaco e intoxicantes, fazer algum tipo de meditação silenciosa diariamente. A criação do novo vem do silêncio da mente e para isso é necessário estarmos profundamente conectado com as nossas qualidades emergentes planetárias. Tudo isso é indispensável para uma viagem tranqüila, uma mente equilibrada e a realização interior. Essa ecologia cíclica, a dos pedais em movimento, beneficia uma transformação emocional interna e externa. Ocorre uma mudança de paisagem emocional negativa para uma positiva. Sua energia corpórea radia por todos as direções, e a cada contato imediato, estabelece-se um benefício próximo ao curador. A relação direta com o ambiente e as pessoas faz das afinidades humanas um grande aprendizado da ecologia social. Os valores que se estabelecem são mútuos, como a liberdade, a solidariedade, a humildade, a espiritualidade, a singularidade e suas fronteiras. Favorece um mágico contexto de trocas onde o afeto é o principal componente de aliança entre as pessoas. A vida no seio habitual passa a ser arte animada, uma existência protagonizada que forma elos afetivos, causando micro influências na ecologia de todos e de tudo. Para complementar essas duas ecologias narradas anteriormente, o ciclista experiente se movimenta seduzido a observar a natureza. A intensidade da ecologia cósmica, ambiental é sua intenção e seu exemplo de vida. A natureza regeneradora de nossas ciclo revoluções internas nos contamina com o novo, de forma a nos experimentarmo-nos como partes unificadas do todo. Isto acontece porque para ter qualquer movimento as partes devem estar conectadas, e o mesmo ocorre com a bicicleta por completo. Ao encontrar vida dentro e fora de nós, rejuvenescemos. A ecologia do ciclista trabalha de forma integral o físico, o mental e o espiritual. O físico se ocupa com todas as dimensões apreendidas fisicamente, como a corporalidade humana, o mundo dos fenômenos mensuráveis, a natureza, os recursos naturais, a fertilidade da terra, os elementos físico-químicos, as energias cósmicas que atuam sobre o nosso mundo. O mental é constituído pelo universo da mente humana: a inteligência, a vontade, a imaginação, a vida psíquica formada pelas emoções e toda nossa sensibilidade interior e arquétipica. O espiritual é aquela disposição do ser humano de ligar o macro com o micro, de captar a totalidade, de descobrir o outro lado de todas as coisas, a mensagem que vem da grandeza do universo; é a capacidade de contemplar, de venerar e de dialogar com o Mistério, que as religiões chamam de Deus ou a Força diretiva do universo. Pela atuação desta dimensão, o ser humano se transforma num ser cósmico.

A meditação – A bicicleta ensina a nos dissolver em movimento. A restabelecer a harmonia interna e externa, um encontro com a paz duradoura. Faz um redirecionamento perceptual, ampliando a habilidade de sintonizar as camadas subconscientes da nossa mente. Aos quilômetros percorridos nesse veículo recorrente, podemos treinar ritmicamente a nossa atenção: aprendizagem de como acalmar, situar, enfocar e direcionar nossa concentração para atinar e transformar. A meditação é uma forma de respeitar e tratar todo mundo e tudo como uma expressão da Consciência Suprema. Nosso bem-estar de ciclista é entrelaçado pela dimensão dos quilômetros rodados. Essa é uma atitude espiritual e ecológica, que aceita que todo ser tem uma potencialidade física, mental e espiritual profunda. A meditação em movimento é uma prática espiritual milenar, desenvolvida por místicos para ajudar aqueles que gostam de fazer essa viagem. Um fluxo dinâmico de energia tonificante, onde adentra uma profunda serenidade interior que se estabelece sobre qualquer outra tempestade externa. O ciclista deve ser muito vigilante, respirando profundamente e concentrando a mente gradualmente, assim, conforme a distância se dilata, podemos alcançar sossego e auto-realização. Com a meditação libertamos a mente dos dogmas repressivos e nos ajuda a romper o véu da legitimidade que os exploradores e os oportunistas usam para cobrir os atos destrutivos e egoístas. A meditação pela bicicleta nos oferece também muitos benefícios pessoais: superação da agressividade e da ira; o cultivo da força de vontade e do autocontrole; a melhora da auto-estima e da saúde mental; o aumento da memória e da concentração; o combate à insônia, à depressão e ao sentimento de solidão; a superação da inferioridade, aquietação da mente; expansão do entendimento e da tolerância; o desenvolvimento de uma personalidade íntegra e equilibrada; e o despertar da sabedoria, da compaixão e do amor. Andar de bicicleta é uma ciência intuitiva de auto-realização, fortalecimento espiritual e proporciona bem-estar a todos que a utilizam.

O medo - Ainda criança, quando tentamos as nossas primeiras pedaladas, é natural sentirmos medo. Medo de não poder agüentar com a bicicleta e cair, medo de perder o equilíbrio, medo de perder o freio, a direção. O medo é um sentimento natural e saudável. O medo é bom, pois serve para nós, como barreiras transponíveis do provável, obstáculos do aprendizado, dos quais fazemos parte e gradativamente precisamos superá-los. O perigo do medo não esta em aventurar-se a andar de bicicleta, está em sentir tamanho medo, que ele lhe tire a chance de improvisar a primeira tentativa. Aí sim, o medo fez mal, permanecemos fadados em nos limitar antes da primeira tentativa de atuação. Sempre que o medo nos limitar de sermos nós mesmos, a nos desviar de nossas tendências naturais, estaremos propícios a não conseguirmos extrapolar nossos limites psicológicos e alcançar alguma segurança neurológica. Quando se pensa em lançar-se numa aventura de bicicleta, o medo também está presente, mas nos servimos dele para nos encorajar com impulso e conseguimos superar os limites vivos. O medo nos faz sentir, nos faz ousar e nos faz viajar um pouco mais além das fronteiras, que nós mesmos assentamos em nossos horizontes imaginários. É o medo que nos possibilita passar por deslizes, e com essas derrapadas também aprendemos continuamente a nos conduzir com maior precisão e toda flexibilidade...

O desejo - O desejo do ciclista viajante são muitos, muito simples, percorrer com sua magrela os quatros quantos da Terra. Viajar com atenção e cultivar os caminhos do mundo, transpor fronteiras, línguas e raças. O ciclista quer fazer amigos, estabelecer afeto, compartilhar momentos ao sol. O ciclista de aventura quer mesmo é amar bem devagar a todos os instantes em movimento lento e gozar. Se lambuzar na luz da lua cheia e acampar numa região desértica com sua menina faceira. O gosto do ciclista é pela vida simples, misturado com acampamentos, mochilas, pneus, raias e remendos. É, o ciclista gosta mesmo é de consertar seu próprio pneu quando fura. Para, vira a bicicleta de ponta cabeça, solta as porcas, os parafusos, acha o furo, prega o remendo, acerta o eixo, aperta de novo. Este tipo de ciclista sempre acaba com as mãos sujas de graxa e cheio de vontade de se preparar novamente e seguir em frente. O ciclista pedala para o futuro, onde possa existir paz nas estradas, onde as pessoas se atinem para o bem de se pedalar diariamente. E que com esse movimento, ele consiga com urgência, oferecer à humanidade uma alternativa prática e ecológica para reverter nossa rota de autodestruição. A sobrevivência e a segurança de nossas futuras gerações então em jogo. O ciclista ambulante possui uma sede inerente por paz e felicidade profunda. Objetos externos não podem satisfazer esse desejo interior, porque o prazer que eles nos oferecem é temporário; então precisamos viajar dentro de nós também para alcançarmos paz e felicidade.

Os afetos – A naturalidade que se apresenta na velocidade da bicicleta em movimento, transborda para o nosso sentir corporal e nossas próprias relações pessoais. O carinho, a delicadeza desse veículo no todo, propaga uma sutileza nas vivências, pelos caminhos transpassados e nos vincula com amor e doçura a todos os laços que criamos com os nossos amigos. A intuição presente em todos os momentos nos coloca ligados aos outros por elos afetivos que se projetam em energia radiante e contagiosa. O corpo vibrátil ao tomar contato próximo com o outro começa a rodopiar louco de sensações ainda não distintas. O cuidado nas manobras, a intenção nos movimentos e a atenção em cada uma das ações a serem tomadas, são estratégias sedutoras para nos dirigirmos com perseverança e não nos machucar. O momento novo que o ciclista em sua viagem proporciona as pessoas com quem contata, é indescritível, apenas se vive através da troca dos legítimos afetos. Na inspiração apaixonada pela vida, nas loucuras impregnadas, nos descobrimentos de horizontes, na experiência epidérmica do inusitado, do mágico e do encantado. A vida em movimento cíclico deixa os afetos fluírem, suas trocas são por contaminações afetivas criadas no agora. O carinho não pode mais ser deixado para depois, ele está em tudo a qualquer momento, a qualquer salutar do nosso desejo de seguir o passeio...

A autonomia – Poder escolher a direção a ser tomada em uma estrada, pode escolher o meio entre certo e errado, tombar por sua própria conta, se locomover com suas verdadeiras pernas, seguir seus singulares passos e conceber uma nova existência. Essas são algumas características autênticas do sentimento de liberdade que a bicicleta nos oportuniza. Na verdade o ciclista não quer reger e nem ser regido por alguém. Talvez seja por isso que em alguns casos a liderança para o ciclista é mais um fardo do que uma vantagem. Uma pessoa que foi condicionada a não confiar em si e que sente uma crescente necessidade de proteção contra o espectro do caos, podem ser então facilmente persuadida a ceder às autoridades todas as liberdade que tiver retido ou recuperada. A unidade complementar de todos os unos, de todas as autonomias, auto-estradas que se encontram em linhas que se espiralam para o futuro da vida, sem esperar, simplesmente acontecendo... A autonomia espiritual que o pedal nos coloca a viver nos transforma a cada “insight” que nos percebemos nós mesmos, seguindo nossas curiosas aberturas.





Viagens ao Sul
Por Juliano Riciardi e Kenya Tridapalli

Rio Grande, 04 de abril de 2003

Uma semana antes da partida, os três jovens viajantes, Kenya, Juliano e Marcos iniciavam os preparativos que faltavam para completar a pedalada que iriam fazer da cidade de Rio Grande ao Uruguai. A pilha da lanterna, câmeras para pneu, filmes fotográficos, alimentação adequada, e muitos outros itens iam compondo as anotações e tarefas que precisariam desempenhar até a partida.
Ainda nessa semana, o casal Kenya e Juliano, junto com o amigo Reginaldo, fizeram um treino de aproximadamente 120 kms, (ida e volta), de Rio Grande a Pelotas. Neste caminho sentiram as primeiras imposições da aventura. O tempo apresentava vento contra e chuva fina, que ocasionou maior desgaste físico e manifestação de dores musculares e cansaço.
No dia da partida, tudo já parecia estar organizado, as compras feitas, todos apetrechos de viagem necessários e as bicicletas carregadas. A última conferida foi à água nas caramanholas[1] de cada um dos componentes. Ela seria necessidade primária naqueles dias quentes do verão sulista.
No caminho até a Vila da Quinta, os três ciclistas experimentavam o peso desproporcional das bicicletas. O movimento apressado dos automóveis e a má condição do acostamento causavam uma apreensão interna em cada um.
Depois dos 30 km primeiros quilômetros, chegaram na Quinta. Cansados e com fome, sentiram vontade de parar para o almoço. Assim sendo, estabeleceram o cardápio do dia em conjunto, um saboroso macarrão com lingüiça e suco instantâneo. A refeição foi preparada num fogareiro a álcool, que levou cerca de meia hora para estar pronta. Na beira da estrada e naquelas condições, os jovens aventureiros percebiam que a fome daquele momento era mesmo o melhor tempero.
Passada mais de uma hora de parada, tempo suficiente para realizarem a refeição e restabelecerem os corpos, os aventureiros prontamente montados nas bicicletas, continuavam a viagem. O dia de pedalada ainda prometia e queriam garantir mais alguns quilômetros de asfalto.
Já no fim do dia, nuvens se movimentavam carregadas de chuva para a noite. Aflitos com a situação inesperada, eles buscaram abrigo numa área limpa, ao lado da pista, próxima a um riacho. A chuva que começou em pingos leves, de repente se transformou num forte aguaceiro ameaçando os ciclistas. O jeito provisório de resolver aquele estado das coisas foi tentar montar rapidamente o acampamento embaixo d`água.
A chuva se estendia por toda à noite, e o melhor era dormir para acordar com disposição no dia seguinte. Mesmo com a preocupação da barraca não agüentar e o riacho transbordar conseguiram pegar no sono.
O dia amanheceu e ainda chovia, mas era necessário sair daquele local, pois havia muita lama no chão e já eram quase 9:00 horas. A pedalada neste dia foi de muitas paradas, portanto com pouco rendimento, mas foi possível chegar à Capilha (inicio da estação ecológica do Taím).
No início do Taim foram bem recepcionados e Gerson o dono do bar cedeu gentilmente um espaço para montarem o acampamento e passarem a noite ali. A única desvantagem deste local era a de não ter banho. O jantar preparado no fogareiro foi sopa com proteína de soja acompanhada de vinho para esquentar, já que ventava bastante e fazia um pouco de frio.

Aventura

O ranger dos pneus no asfalto, depois daquela curva danada, estralou os joelhos , os dentes, a catraca, os pedais e a corrente. Quando me permiti viajar de bicicleta, como um moleque sapeca, percebi outras mensagens que a vida tem pra dar. Depois das mochilas e trilhas amazônicas, menino viajante sempre quer brincar.


Bolaxa, Rio Grande, 15 de dezembro de 2003
Por Juliano Riciardi

Memórias de um ciclo viajante

Tudo o que pensava naquele momento de largada era o tempo. Uma frente vinda do sul se aproximava a nossa frente em plena praia do Cassino, Rio Grande/RS, e aqueles eram os últimos momentos nossos antes de sairmos parar uma viagem de bicicleta do litoral sul do Rio Grande do Sul em direção do litoral catarinense.
Onde me encontrava naquele momento, perdido em poesias de viagem. O que importava mesmo era o tempo que passou a ser o fator determinante para iniciarmos a viagem. Afinal, não queríamos nos arriscar de bicicleta saindo debaixo de chuva. Cabia-nos esperar que as condições ambientais se definissem melhor. E assim iríamos mesmo, realizar mais uma pedalada errante pedalando tranqüilos e com um vento sul ao nosso favor. Quem sabe !
Ao todo a pedalada está prevista de 7 a 10 dias, numa média arriscada estimada de uns 90 km por dia aproximadamente. E mais, os aventureiros do pedal são dois, eu, Juliano de Paiva Riciardi (30) recém formado em Artes Visuais e a Gica, Giseli Aguiar de Oliveira (21 anos) acadêmica de Oceanografia da FURG. Resolvemos aproveitar as férias do início do verão e conhecer esses locais de bicicleta.
Em uma aventura como esta, não me jogaria participar sem antecipadamente ser arquitetada, estudada cuidadosamente e cartografada estrategicamente. Organizar a logística básica e os ajustes finais (acabamento) para tudo acontecer bem e proporcionar satisfação era minha tarefa do dia.
Depois da tempestade vem a Bonança. Depois da agitação a tranqüilidade. Depois de parado o movimento.




Código Nacional de Trânsito - comentários no que diz respeito a nós ciclistas.

Veja o Novo Código Nacional de Trânsito completo em http://www.abdetran.com.br

VOCÊ SABIA :

•Que o ciclista quando estiver desmontado de sua bike possui os mesmos direitos e deveres do pedestre, faça valer a lei, CUMPRA-SE!

CAPÍTULO IV, Art. 68.
§ 1º - O ciclista desmontado empurrando a bicicleta equipara-se ao pedestre em direitos e deveres.

•Que na cidade a sua obrigação como ciclista é andar na mão correta em fila única, com no máximo 50 cm de distância do meio fio, e que, como motorista os veículos deverão passar a no mínimo a um metro e cinquenta centimetros de distância da lateral de sua bike, e que a desobediência constitui falta grave, passível de multa e perda de pontos na carteira, CUMPRA-SE !

CAPÍTULO IV, Art. 68.

§ 2º Nas áreas urbanas, quando não houver passeios ou quando não for possível a utilização destes, a circulação de pedestres na pista de rolamento será feita com prioridade sobre os veículos, pelos bordos da pista, em fila única, exceto em locais proibidos pela sinalização e nas situações em que a segurança ficar comprometida.

§ 3º Nas vias rurais, quando não houver acostamento ou quando não for possível a utilização dele, a circulação de pedestres, na pista de rolamento, será feita com prioridade sobre os veículos, pelos bordos da pista, em fila única, em sentido contrário ao deslocamento de veículos, exceto em locais proibidos pela sinalização e nas situações em que a segurança ficar comprometida.

CAPÍTULO XV

Art. 170. Dirigir ameaçando os pedestres que estejam atravessando a via pública, ou os demais veículos: Infração - gravíssima; Penalidade - multa e suspensão do direito de dirigir; Medida administrativa - retenção do veículo e recolhimento do documento de habilitação.

Art. 192. Deixar de guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu veículo e os demais, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, no momento, a velocidade, as condições climáticas do local da circulação e do veículo: Infração - grave; Penalidade - multa.

Art. 193. Transitar com o veículo em calçadas, passeios, passarelas, ciclovias, ciclofaixas, ilhas, refúgios, ajardinamentos, canteiros centrais e divisores de pista de rolamento, acostamentos, marcas de canalização, gramados e jardins públicos: Infração - gravíssima; Penalidade - multa (três vezes).

Art. 201. Deixar de guardar a distância lateral de um metro e cinqüenta centímetros ao passar ou ultrapassar bicicleta: Infração - média; Penalidade - multa.

Art. 214. Deixar de dar preferência de passagem a pedestre e a veículo não motorizado:

I - que se encontre na faixa a ele destinada;

II - que não haja concluído a travessia mesmo que ocorra sinal verde para o veículo;

III - portadores de deficiência física, crianças, idosos e gestantes:


•Infração - gravíssima; •Penalidade - multa.


IV - quando houver iniciado a travessia mesmo que não haja sinalização a ele destinada;

V - que esteja atravessando a via transversal para onde se dirige o veículo:


•Infração - grave; •Penalidade - multa.


Art. 220. Deixar de reduzir a velocidade do veículo de forma compatível com a segurança do trânsito:

XIII - ao ultrapassar ciclista:

Infração - grave;

Penalidade - multa;



•Que como ciclistas também temos OBRIGAÇÕES e estas são passíveis de multa e penalidades da lei.


Art. 247. Deixar de conduzir pelo bordo da pista de rolamento, em fila única, os veículos de tração ou propulsão humana e os de tração animal, sempre que não houver acostamento ou faixa a eles destinados:

Infração - média;

Penalidade - multa.

Art. 255. Conduzir bicicleta em passeios onde não seja permitida a circulação desta, ou de forma agressiva, em desacordo com o disposto no parágrafo único do art. 59:

Infração - média;

Penalidade - multa;

Medida administrativa - remoção da bicicleta, mediante recibo para o pagamento da multa.

Art. 105. São equipamentos obrigatórios dos veículos, entre outros a serem estabelecidos pelo CONTRAN:

VI - para as bicicletas, a campainha, sinalização noturna dianteira, traseira, lateral e nos pedais, e espelho retrovisor do lado esquerdo.

[1] Caramanhola é aquela pequena garrafa, térmica ou não, que se fixa no quadro da bicicleta para transportar líquidos (água, sucos, isotônicos e outros).

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